terça-feira, 12 de maio de 2015

TEORIA DO CONHECIMENTO - UMA INTRODUÇÃO

*Este é o texto de vídeo postado no Youtube: https://www.youtube.com/watch?v=FLmXYm8oVsY


Você já parou pra pensar em como é possível para nós, seres humanos, conhecermos o mundo à nossa volta? No nosso dia-a-dia, encaramos o conhecimento das coisas com naturalidade: dizemos que conhecemos a nossa família, nossa casa, os vizinhos, a escola, amigos, paisagens e etc...  Os profissionais conhecem muito da sua área de trabalho. Por isso, o encanador Jessé garante a manutenção das tubulações do colégio Liceu de Artes e Ofícios, as merendeiras preparam os alimentos e a diretora Zélia Correia não ocuparia estecargo se não conhecesse muito da área de gestão da Educação. O ser humano, com sua capacidade de conhecer, já pôs os pés na lua e não para de criar novidades tecnológicas.

Mesmo com tantos sucessos da Ciência, a Filosofia não considera simples a questão do conhecimento. Só para citar um exemplo, veja o que o filósofo Nietzsche pensou sobre isso: “o habitual...”, quer dizer, tudo aquilo com o que estamos acostumados, “... é o mais difícil de conhecer...”. É o tipo de afirmação que nos torna mais reflexivos porque faz a gente parar pra pensar até que ponto conhecemos, de fato, o que dizemos que conhecemos... Então, vamos voltar à pergunta filosófica inicial: como é possível para nós conhecermos tantas coisas? É uma pergunta tão importante que é o ponto de partida para um dos principais ramos da Filosofia, a Teoria do Conhecimento. Uma questão capaz de deixar qualquer iniciante da filosofia com a pulga atrás da orelha é que, para diversos filósofos, nós não somos capazes de conhecer nada do mundo que está à nossa volta. É isso mesmo: os céticos mais radicais defendem que nunca conhecemos nada verdadeiramente porque não somos capazes de desvendar a realidade como ela é de fato.

Mas, deixando o ceticismo um pouco de lado, vamos falar de como surgiu a  preocupação com o Conhecimento da maneira como a Filosofia o encara. Essa preocupação começou na Grécia, com os chamados filósofos Pré-socráticos, aqueles que se esforçaram para entendera natureza deixando sem recorrer às explicações dadas pela Mitologia. Estes filósofos Pré-socráticos, dentre eles, Heráclito e Parmênides, não eram céticos, mas sim partiam da pressuposição de que podemos conhecer tudo. Para eles, a realidade que engloba toda a natureza é racional. E como nós, humanos, também somos racionais, temos, sim, condições de conhecer a totalidade das coisas que existem. Resumindo: para os Pré-socráticos, se a realidade é racional e nós também somos racionais, então, somos capazes de conhecer a realidade como ela é.

Agora, preste atenção para esta polêmica sobre o conhecimento que começou com Heráclito e Parmênides e, de certa maneira, percorre toda a história da Filosofia: é que há filósofos para quem a observação ou a experiência que temos do mundo físico é que nos dá a chave para conhecermos a realidade total do universo. Já para outros filósofos, as mudanças que captamos pelos sentidos não são tão relevantes quanto as coisas que permanecem eternas e essas só poderíamos alcançar com o pensamento. É  o que pensa Parmênides, para quem conhecer é atingir, pelo pensamento, o que é sempre idêntico e imutável. Um exemplo bem simples: o importante não são as muitas maçãs de todos os tipos, tamanhos, diversos tons de vermelho e que nascem e apodrecem, o importante é conhecer uma única definição de maçã que englobe todas as frutas que possam ser definidas como maçã, tanto as que já nasceram quanto as que ainda irão nascer no mais distante futuro. Saber isso, conhecer isso, é que seria alcançar o ser imutável da maçã, ou seja, chegaríamos ao conhecimento apenas por meio de uma operação mental. 

Já Heráclito, considera a verdade como uma mudança contínua. E é a esta mudança a que devemos estar atentos se quisermos conhecer a realidade. Para ele, a realidade é a harmonia dos contrários que nunca param de se transformar uns nos outros: o que é frio torna-se quente, o que é novo fica velho, o líquido torna-se gasoso ou se congela. Para Heráclito, a realidade que queremos conhecer é um fluxo perpétuo. Estamos, simplesmente, sendo enganados pelos sentidos quando acreditamos que alguma coisa permanece estável. Até mesmo a rocha mais sólida, a montanha mais alta e majestosa do planeta, estão em permanente transformação. Foi Heráclito quem disse: “Um homem nunca pode se banhar duas vezes no mesmo rio”. Para ele, nem o homem, nem o rio serão os mesmos que já foram, seja o tempo curtíssimo ou muito longo entre um e outro banhar-se do homem. 

Resumindo a controvérsia entre Heráclito e Parmênides: enquanto, para Heráclito, o conhecimento se dá ao desvendarmos a dinâmica das mudanças, a realidade que engloba todas elas, para  Parmênides, conhecer é descobrir o que é o permanente, o que é estável, o que nunca muda, em vez de nos iludirmos com as mudanças que são apenas aparentes. Mas, no fundo, apesar de caminhos diferentes, os dois filósofos pretendiam conhecer a mesma coisa: a realidade única, depositária de todas as leis que governam todas as coisas do mundo.

O problema do Conhecimento se tornou central no debate entre Sócrates e os filósofos chamados sofistas. Para os sofistas, havia tantas divergências de pensamentos entre os filósofos, que a conclusão mais sensata a que se podia chegar era a de que é impossível conhecermos a verdade das coisas. Afirmaram que tudo o que nós dizemos que conhecemos não passa de meras opiniões. Sócrates fez oposição aos sofistas. Disse que a verdade pode, sim, ser conhecida por nós. Para isso, o primeiro passo é abandonar duas coisas: as ilusões causadas pelos sentidos e as palavras que não passam de opiniões. Sócrates disse que a verdade só pode ser alcançada com o uso do nosso pensamento, que tem o poder de nos afastar do erro e da mentira. Ele afirmou que somos capazes de apreender a essência das coisas, a ideia universal de cada um dos seres e de cada um dos valores da vida moral e política.De acordo com Sócrates, portanto, podemos saber o que é a essência da verdade, da beleza, da honestidade, da justiça, de todos os valores humanos, enfim.

Agora, vamos falar um pouco sobre o que Platão e Aristóteles pensaram sobre o conhecimento. Para Platão, existem quatro graus de conhecimento: o primeiro deles é a crença, o segundo a opinião, o terceiro, o raciocínio e o quarto a intuição intelectual. Platão afirmou que apenas através do raciocínio e da intuição intelectual podemos atingir o conhecimento verdadeiro. O exercício constante do raciocínio é o que faz com que nosso pensamento alcance a pureza intelectual para captar e compreender as ideias que formam a realidade. Platão condena a crença e a opinião pois, para ele, são graus inferiores de conhecimento, são, na verdade, conhecimentos ilusórios ou das aparências. Vamos, então, usar uma imagem bem simples para ilustrar o pensamento de Platão sobre como se dá o conhecimento verdadeiro: para ele, a Razão é como se fosse um trem que sobe a montanha do conhecimento. Quanto mais o trem, ou seja, a Razão humana trabalha, mais altitude ganha a mente até chegar a uma estação onde encontramos o primeiro exemplo de conhecimento intelectual puro que é a Matemática. Isso porque as ideias da Matemática não dependem em nada dos órgãos do sentido e nunca se limitam a meras opiniões, ou seja, as ideias matemáticas nunca são apenas o que achamos das coisas sem ter comprovação. Por isso, o conhecimento matemático seria a melhor preparação que o homem pode ter para chegar à verdade, à realidade tal como ela é de fato.

Ao contrário de Platão, Aristóteles considerava importante o conhecimento que temos por meio da experiência ou dos sentidos. Para ele, o que conhecemos dessa forma contribui muito para desvendarmos a realidade, não são meras ilusões como afirmava Platão.  No entanto, para Aristóteles, o conhecimento puramente sensível é apenas o primeiro em uma escala de seis graus de conhecimento: quanto mais o conhecimento estiver distante da sensibilidade, maior a aproximação da verdade. Podemos dizer que, para Aristóteles, o trem que viaja pela montanha do conhecimento percorre seis estações: a sensação, a percepção, a imaginação, a memória, o raciocínio e a intuição. De todas estas formas de conhecimento, apenas a última, a intuição, é puramente intelectual. A intuição não depende de nada que se manifesta a nós por meio dos nossos sentidos, da nossa imaginação e mesmo do nosso raciocínio. Reforçando: a intuição é um ato do pensamento puro, totalmente independente dos dados que obtemos por meio dos sentidos.

Agora vamos dar um salto no tempo, até a Idade Média, para saber como o conhecimento era visto nesta época.  Época em que a Igreja Católica pode ser tida como a guardiã da Filosofia. Por isso, o conhecimento era dependente da fé. Para a filosofia cristã, é a fé que ilumina o nosso intelecto e serve de guia para a nossa vontade. Assim é que nos tornamos capazes de conhecer o mundo.
No século XVII, portanto, depois da Idade Média e já em plena Era Moderna, houve um importante movimento no “jogo de xadrez” da Filosofia. Os filósofos colocaram em xeque o pensamento cristão sobre o conhecimento. As jogadas decisivas foram feitas com 3 perguntas que revelavam as dificuldades da teoria cristã. Primeira pergunta: se o cristianismo considera que o erro e a contradição fazem parte da natureza humana por causa do pecado original, como é possível conhecermos a verdade? Segunda pergunta: se, para os cristãos, a natureza humana é dupla, ou seja, um misto de corpo e alma, matéria e espírito, como é possível para nós conhecermos Deus que é imaterial? Ao mesmo tempo, como é que podemos conhecer o mundo material se também somos formados pela alma que é uma substância incorpórea, imaterial? Terceira pergunta: se a verdade é divina e infinita, como é que nós, frutos do pecado original e seres finitos, com pouco tempo de vida, podemos conhecer a verdade? A filosofia cristã, como vimos anteriormente, respondia a estas questões afirmando que a fé, com a ajuda da Graça divina, é que nos guiava pelos caminhos do conhecimento verdadeiro. Os filósofos modernos não se contentaram com esta solução e uma de suas primeiras tarefas foi fazer a separação da fé e da razão. Consideraram que as duas eram destinadas a conhecimentos diferentes que não mantêm qualquer relação entre si. Portanto, para os modernos, fé de um lado, razão de outro.

As dúvidas dos filósofos modernos levaram o inglês, John Locke a iniciar a Teoria do Conhecimento. Locke se propôs a investigar nossa capacidade de conhecer. Quer saber também qual a origem de nossas ideias e analisar todas as formas de conhecimento. É assim que a Filosofia se volta para o pensamento, quer dizer, a Filosofia torna-se o pensamento que pensa sobre si mesmo, na tentativa de desvendar suas regras, a maneira como funciona. Locke nos chama a atenção para duas grandes orientações que perpassam a Filosofia: o racionalismo e o empirismo.

Os filósofos considerados racionalistas são aqueles que acreditam que o conhecimento verdadeiro, autêntico, livre de ilusões, é aquele que tem origem apenas no pensamento, ou seja, o conhecimento que a gente alcança sem a ajuda dos sentidos. O maior exemplo desse tipo de conhecimento são as verdades da Matemática. De acordo com os racionalistas, não é o contato com o mundo exterior que nos leva, por exemplo, a tirar conclusões a respeito das relações que existem entre os lados e os ângulos de uma figura geométrica. Estas são verdades eternas e imutáveis que podemos atingir com o uso da Razão. Os racionalistas acreditam que, por meio da Razão, somos capazes de atingir verdades sólidas, não só na Matemática, mas também no campo da moral e da ética. 
  

Já os filósofos empiristas defendem que só podemos chegar ao conhecimento verdadeiro por meio da experiência, ou seja, são os sentidos que nos guiam na descoberta das verdades autênticas. Para eles, as ideias que nos fazem conhecer o mundo não nascem com a gente, não são inatas. Quando nascemos, nossa mente seria como uma folha de papel em branco que, aos poucos, vai sendo preenchida pela experiência que vamos registrando na memória a partir das impressões dos sentidos. É desta forma que descobrimos as leis que governam o mundo material à nossa volta.