segunda-feira, 25 de novembro de 2013

A IDEIA EM KANT E EM OUTROS QUATRO.


 A IDEIA EM KANT COMPARADA AOS CONCEITOS DE IDEIA EM PLATÃO, DESCARTES, LOCKE E HUME.

Para Immanuel Kant, a ideia se faz por meio dos conceitos puros da razão que utiliza a unidade das regras do entendimento para atingir certos princípios que lhe conferem uma unidade racional. Ou seja, a unidade sintética das intuições (que é obtida de acordo com as normas das categorias), quando submetida à forma dos raciocínios, dá origem aos conceitos puros da razão ou ideias transcendentais. A ideia é, portanto, o incondicionado a que podemos chegar partindo do condicionado pelo entendimento. É também um conceito necessário da razão que não se originou de nenhum objeto sensível sendo, por isso, chamada transcendentaL. Ainda de acordo com o filósofo alemão, a ideia se forma devido à insatisfação da razão com o múltiplo dado na intuição, podendo ser definida como uma totalidade incondicionada, que está além de toda experiência possível. 
 
Este conceito de ideia kantiano diferencia-se do de Platão pelo fato de este último considerar as ideias como sendo algo muito mais que chaves para experiências possíveis, como sugeriu Kant: seriam, isto sim, arquétipos das próprias coisas derivadas da razão suprema que as transmitiu à razão humana. Assim, Platão elimina qualquer possibilidade de as ideias terem, como ponto de partida para serem formadas, a interação direta de nossa estrutura cognitiva com o mundo. Ora, isto se opõe ao pensamento kantiano para o qual o primeiro estágio de formação das ideias se dá pelas sensações, quando configuramos o mundo de acordo com o espaço e o tempo que são formas da sensibilidade.

O conceito de ideia de René Descartes assemelha-se ao de Platão quanto ao descrédito dado aos sentidos para nos fornecer elementos para formação de ideias verdadeiras. Segundo Descartes, o que garante a existência, em nós, de ideias claras e distintas é a ideia que posso ter de um ser perfeito, Deus, uma ideia inata e da qual não sou uma causa. É esta ideia que posso ter da substância infinita e da qual não posso duvidar que, segundo Descartes, permite a afirmação da existência do mundo exterior a nós. Assim, o conceito cartesiano de ideia contraria o conceito de Kant pois este não acredita em ideias inatas mas apenas em estruturas inatas que nos possibilitam a formação de ideias. São essas estruturas que garantem à nossa razão a capacidade de, em contato com o mundo, elaborar por si própria as ideias que fazemos do mesmo. Em vez de desconfiar dos sentidos, como o faz Descartes, Kant afirma que ideias verdadeiras são as que estão conectadas a este processo de elaboração de ideias pela nossa razão e que começa pelas sensações.

Para o filósofo John Locke, todas as ideias provêm da experiência que, ao longo da vida, vai deixando marcas em nossas mentes. A mente funcionaria como um receptáculo das sensações, o lugar onde estas, de uma em uma ou reunidas se uniriam à reflexão para formarem ideias simples. Ideias complexas seriam originadas por um conjunto de ideias simples. Portanto, para Locke, sensação e reflexão - que é um voltar-se da alma sobre si mesma para perceber o que nela ocorre - seriam as duas fontes do conhecimento. A grande diferença dos pensamentos de Locke e de Kant é que o primeiro acredita que as ideias que formamos na mente reproduzem fielmente a realidade mesma das coisas. Teríamos, portanto, em nossas mentes, um espelho da realidade, um aparato que nos possibilita ter acesso à verdade por ser capaz de obter uma correspondência do pensamento com a realidade. É uma teoria que nos conduz à problemática da metafísica já que o filósofo empirista não consegue precisar o que estaria por debaixo das diversas qualidades, sensações e impressões que as coisas nos produzem. Tanto é assim que Locke chama a coisa em si ou substância de “um não-sei-quê”. Kant, ao contrário, não acredita que podemos pensar a realidade como ela é de fato, em si mesma. Defende que só conhecemos das coisas que nos são dadas na experiência aquilo que delas temos a capacidade de captar por meio da estrutura cognitiva que nos é própria, ou seja, somos limitados para a compreensão do mundo, porém, não somos meros receptáculos passivos da realidade, mas sim sujeitos que construímos um sentido próprio para as coisas usando nossa razão e seus processos e métodos de compreensão do mundo.

Para David Hume, ideia é um tipo de percepção da mente formada a partir de uma ou mais impressões que são percepções imediatas e que ocorrem sempre no presente, no aqui e agora. Para o filósofo empirista, as impressões são muito mais vívidas que as ideias que seriam como retrados quase apagados ou cópias desbotadas das impressões. Como o conhecimento nos é dado pela experiência, ao entendimento humano não caberia nada além de associar corretamente as ideias de forma que estas correspondam à realidade que se nos apresenta de forma regular. Kant não desconsidera a importância da experiência para que possamos formar nossas ideias mas, segundo ele, para o desempenho desta tarefa a experiência só não basta. De acordo com o filósofo prussiano, ao contrário de ser um sujeito que apenas reproduz em sua mente, de forma automática, o que se passa no meio exterior a ele, o homem é dotado de estruturas mentais pré-estabelecidas e também de sua liberdade que o ajudam a dar um sentido todo próprio à realidade. A ideia, para Kant, faz parte de uma instância superior da razão e não corresponde a nenhum objeto dado pelos sentidos. É uma resposta da razão à sua própria insatisfação com a multiplicidade dada pela intuição e é capaz de reunir esta multiplicidade numa totalidade incondicionada que se eleva para além das possibilidades de experiência.

quinta-feira, 21 de novembro de 2013

HEGEL, MARX E A FILOSOFIA DA HISTÓRIA.

HEGEL E MARX NA FILOSOFIA DA HISTÓRIA.


1. “O real é racional e o racional é real”. Tendo presente tal afirmação hegeliana, explicite algumas das linhas gerais do pensamento hegeliano.

A frase de Hegel deixa clara sua visão da realidade como algo plenamente identificado com a Razão e nos revela o cerne de sua ontologia que procurava desfazer o dualismo da filosofia de Kant a qual estabelecia uma cisão inevitável entre o sujeito e a realidade das coisas em si. Hegel quer demonstrar que, uma vez que somos dotados de razão, somos capazes de conhecer a totalidade das coisas, bastando-nos, para isso, identificar a racionalidade que é sempre imanente a tudo. Para Hegel, a verdade não está unicamente nos objetos, ou seja, não há apenas uma razão objetiva, nem tampouco está a verdade exclusivamente no sujeito. Haveria, isto sim, uma unidade necessária do objetivo e do subjetivo que se realiza por meio da Razão. E é ela que nos permite conhecer as relações harmoniosas entre as coisas e as ideias, entre o mundo exterior a nós e a nossa consciência, entre o objeto e o sujeito. Essa unidade harmônica não é algo eterno mas sim uma conquista da Razão ao longo do tempo, portanto, uma conquista que se dá na História. Caberia à Filosofia a reconstrução do percurso histórico do Espírito Absoluto que é a manifestação da autoconsciência que se revela a si mesma ao longo da História. O filósofo alemão afirmou que a Razão sempre governou esse movimento do espírito que se processa dialeticamente por meio do confronto de ideias opostas e que realiza sínteses que sempre podem ser também  negadas por novas oposições.

2. Desenvolva uma reflexão apresentando algumas contribuições de Hegel para a Filosofia da História.

A contribuição mais importante de Hegel para a Filosofia da História encontra-se em sua obra mais famosa, o livro “Fenomenologia do Espírito”. Nesta obra, o filósofo vai de encontro aos pressupostos da lógica clássica que afirma que o ser jamais é não ser, que ser e não ser não se identificam e o que é é e o que não é não é. Ao contrário deste pressuposto que desvaloriza tudo o que se apresenta como contraditório em favor de uma concepção do ser como realidade eterna, imóvel e perfeita, Hegel considera a negação como o grande motor da história. De acordo com o filósofo, não haveria progresso do espírito se não houvesse uma permanente negação das ideias que faz com que, do confronto entre tese e antítese, surja a síntese que manifesta a realização do absoluto em uma época. Com essa visão, Hegel reabilita uma noção que vinha sendo desprezada ao longo da a História da Filosofia desde Platão, a noção de ser como um devir.O devir é o movimento dialético que leva o homem e o mundo no percurso histórico para a derradeira superação de todas as oposições, para a realização final do absoluto.  Para Hegel, no início de tudo temos, sim, um ser, mas um ser vazio que só irá se constituir como um ser pleno e absoluto depois de cumprida todas as etapas do percurso histórico em que a razão se realizou de forma necessária. E é justamente por haver na História a manifestação necessária da Ideia ou Razão Infinita que somos capazes de apreender seu sentido identificando o papel desempenhado por todas as contradições que se fizeram presentes ao longo do percurso histórico.

3. Quais as contribuições do Marxismo, em particular do Materialismo Histórico, para a compreensão da história humana?

A teoria de Karl Marx inverteu o conceito de dialética de Hegel. Para este, as ideias eram responsáveis pela criação das condições materiais dos homens. Para Marx, as condições materiais de existência é que dão origem às ideias. De acordo com a dialética de Marx, portanto, a sociedade é formada por contradições reais que se dão no plano da economia e que são refletidas pela ideologia que impera na esfera cultural.  A visão marxiana é consequência da prioridade dada pelo autor aos estudos sobre Economia Política, considerando esta como a ciência que forneceria a verdadeira elucidação dos determinismos da História. Para Marx, as estruturas sociais de todas as sociedades humanas baseiam-se num circuito que tem como mola mestra seus bens e serviços em sua cadeia de produção, distribuição e trocas. Por isso, para compreender a História, é preciso observar a dialética presente nos processos de permanente transformação do mundo. Processos que se revelam ao estudarmos a fundo as conexões existentes entre o homem, a natureza e as técnicas (ou seja, as relações das forças de produção) associando estas às formas de propriedade criadas pelo homem ao longo do transcurso linear do tempo. A explicação dialética de Marx para a História aponta a luta de classes como motriz fundamental da evolução da humanidade, luta esta que, conforme é postulado pelo determinismo histórico, deverá, necessariamente, desembocar na ditadura do proletariado.

Referências:
CHAUÍ, Marilena. Convite à Filosofia. São Paulo: Editora Ática, 2012.
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. A razão na História: uma introdução geral à Filosofia da História. São Paulo: Centauro Editora, 2001.
OLIVEIRA, Antônio Carlos de. Filosofia da História-Subsídio de Apoio Didático. Unicap, 2012.
SILVA, Franklin Leopoldo e.Hegel e a Razão Dialética como justificação do drama histórico. Palestra disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=hxFhMvy2FMg, acesso em 20/11/13.
  

domingo, 3 de novembro de 2013

GIAMBATTISTA VICO E A NOVA HISTÓRIA.

Síntese de artigo sobre Giambattista Vico do doutor em História pela UNESP, André Luiz Joanilho (Revista de Ciências Sociais, Vol. 9 - N.2/2004 - p. 67-84).

O napolitano Giambattista Vico (1668-1744).

Giambattista Vico (1668-1744) é considerado pelo historiador André Luiz Joanilho  o precursor da História Cultural, pois foi um dos primeiros pensadores a conceituar o homem em sua dimensão temporal e histórica. Vico fez parte de uma época em que uma das principais querelas entre os filósofos era a respeito da superioridade ou não dos modernos sobre os antigos. A partir de Francis Bacon, a disputa tendeu para o lado dos defensores dos modernos por conta da noção de que o conhecimento é cumulativo, o que quer dizer que quanto mais o tempo passa, mais capacidade têm os homens de compreender o mundo e a si mesmos. Vico entendeu que os antigos não eram superiores aos modernos mas essa posição ainda não o coloca como um dos precursores da ideia de progresso.  Para ele, a temporalidade não era algo que fluía sem interrupções mas sim com múltiplas recorrências que se manifestam de forma alternada e cíclica em função do bem e do mal, dois elementos da condição humana que são determinados e fixos.

Vico pode ser estudado como um filósofo que investigou a possibilidade de um conhecimento total, sem interrupções, um saber filosófico que Michel Foucault chamou de “mathêsis”, isto é, um conhecimento que se estende, sem cortes, pelas diversas ciências como a matemática, a astronomia, a medicina, a filosofia e assim por diante. De acordo com o filósofo napolitano, para atingirmos a “mathêsis” devemos dar à linguagem a condição de centro da atividade humana. A natureza se faz quando são cruzadas as palavras e as coisas, quando as coisas são nomeadas. Na idade clássica, a linguagem transcreve o olhar minucioso dos homens sobre as coisas, formando a mathêsis como uma contínua rede de conhecimentos Como homem de seu tempo, Vico deu tamanha importância à linguagem que adotou a filologia como um meio para entender as primeiras civilizações.  

André Luiz Joanilho nos alerta para o risco de concebermos o pensamento viquiano como precursor do que seriam as Ciências Humanas no século XIX. Para o historiador, a tendência de pensarmos de tal modo é alimentada por um artifício dos filósofos da história que tentaram legitimar suas teses considerando-as como resultados da continuidade de um progresso que teria Vico como ponto de origem. Assim, seriam os herdeiros de conhecimentos acumulados ao longo do tempo, estando, portanto, em condições de superioridade sobre os que não desfrutam de uma tal condição. O pensamento de Vico serviu a esse tipo de sistema devido à sua formulação de determinadas concepções de tempo. Mas, quando compreendemos o pensamento do filósofo napolitano dentro de suas própria época é que temos a melhor dimensão de seu ineditismo e de seu espírito provocador. Essa dimensão pode ser compreendida em sua pretensão de criar uma  nova ciência, que não se concretizou mas que propôs novas formas de compreender o ser humano e sua história.

NOVO CONHECIMENTO: VERUM/ CERTUM

Para Giambattista Vico, só podemos obter um tipo de verdade: aquela que é produzida pelo próprio homem. Esse pensamento foi uma corajosa afronta ao cartesianismo dominante na época que postulava que a Matemática era o único instrumento para compreensão do ser porque as certezas desta ciência não passam pelos sentidos, considerados fontes inseguras para o conhecimento. Descartes desprezava o que chamamos de Humanidades que, segundo, ele, contém apenas informações confusas e embaralhadas e, portanto, não seriam capazes de oferecer certezas. Mas são esses dois campos do conhecimento – História e Linguagem - que Vico elege  como os principais meios de atingirmos a verdade. Para ele, é em tudo aquilo que os homens fizeram que está a pista para se compreender a Providência e, assim, ter-se consciência da existência. Vico chama de arrogantes os  cartesianos que conheciam o verum apenas por abstrações.

Outros ramos do conhecimento não eram menosprezados por Vico pois, de acordo com ele, todos  têm em si a marca da criação humana sendo, por isso, meios para o conhecimento verdadeiro. Mas Vico afirma a superioridade da História por acreditar que sua principal característica está no que mais nos caracteriza como humanos: a imaginação. Para ele, esta é a faculdade com que podemos compreender as ações humanas, suas intenções ou os motivos porque agimos desta ou daquela forma. Assim, para Vico, o verdadeiro é o que é feito. Com o uso da razão imaginativa podemos entender o que fazemos na história.

Para Vico, a certeza é uma forma de conhecimento diferente da verdade. Para ele, a natureza e seus eventos podem ser estudados por ciências como a física e a astronomia que garantem certezas sobre o que existe mas não garantem a verdade pois, como os homens não criaram a natureza, não podem ter acesso às suas causas. Somente Deus pode ter acesso às verdades da existência por ter sido Ele o seu criador. Se Deus entende plenamente o sentido de sua criação, o homem pode apenas pensar sobre este sentido pois conhece  partes da totalidade do que existe. O conhecimento do homem só ocorre por abstrações, o que permite a ele procurar o que originariamente não possui para chegar às certezas de que precisa. Assim, é na história que o homem fabrica essa realidade e se torna consciente de si e de sua existência, adquirindo a certeza e se direcionando a Deus. Uma vez que somos criadores de nossa realidade, temos condições de conhecê-la em sua totalidade, uma busca que nos fará alcançar a divindade.

TEMPO E HISTÓRIA: UM MUNDO EM MOVIMENTO.

Vico pode ser considerado um dos precursores da ideia de processo histórico que atesta haver um encadeamento dos fatos de acordo com uma finalidade. O pensamento do filósofo italiano pode ter sido inspirado pela Biologia que identificou ciclos naturais que são cumpridos pelos seres vivos. À medida em que a história é encarada também como um processo, haveria também, então, ciclos históricos a serem cumpridos pelos homens. O desvendamento desses ciclos nos torna significativo tudo o que a História traz consigo.  Porém, é necessário uma ressalva pois apenas em parte a história é cíclica para Vico. Em parte ela tem uma temporalidade polifônica, ou seja, a estrutura temporal da história não é linear mas contrapontual, há inúmeras linhas de desenvolvimento sem que seja possível estabelecer coerência entre elas.  Portanto, para Vico, os homens não progridem mas vivem diversas temporalidades que se encontrarão na Providência.

Para Vico, a história humana é dividida em três grandes eras: a dos deuses, a dos heróis e a dos homens.  Essa explicação foi deduzida das obras literárias da antiguidade graças à pesquisa do significado de palavras e metáforas, ou seja, Vico compreendeu o mundo antigo por meio da linguagem. A primeira fase histórica teve início quando os homens se espalharam pela terra, logo após o dilúvio, e passaram a viver como animais. Imperava a lei dos mais fortes que faziam dos mais fracos seus servos. Na era dos heróis, os servos entram em conflito com os senhores reclamando igualdade. A hera dos homens tem início quando leis de igualdade passam a vigorar nas democracias ou repúblicas populares.

O filósofo italiano acreditava que os pensadores antigos não tinham conhecimento suficiente para compreender o mundo melhor do que os modernos. Além disso, como os antigos não conheceram outros homens além dos tipos rudes, incultos e cruéis, a linguagem dos primeiros escritores retratava essa realidade pois, para Vico, a forma de usar as palavras nos traça o desenho de uma época, com seus processos mentais, atitudes e perspectivas humanas. Pelo estudo da linguagem seríamos, então, capazes de revelar o modo de ser, agir e pensar de seus usuários já que as mentes são formadas pelo caráter da linguagem e não esta pelo caráter daqueles que a usam.  

Então, a forma escrita hieroglífica manifestava todo o temor que os homens sentiam na idade dos deuses e as metáforas poéticas serviam para reverenciar os deuses, relatando seus grandes feitos, as origens do conhecimento humano, da sociedade e da cultura do homem e, a fortiori, dos poderes dos homens primitivos de dar nomes aos objetos, dotando-os de atributos específicos. A etimologia das palavras indicava a circunstância material da existência humana. Na idade dos heróis , havia repúblicas oligárquicas dominadas pelos que se diziam descendentes dos deuses. A poesia retratava a avareza, a crueldade e a torpeza de uma época em que as leis poéticas são deturpadas pelos aristocratas para subjugar a população. Na idade dos homens, surge a lei da justiça democrática permitindo que houvesse o acompanhamento das discussões livres, dos argumentos legais, a prosa, o desenvolvimento da razão e a ciência. Ao deixar os mitos de lado o ser humano toma consciência de si. Na era dos homens, o conhecimento é superior por ser consciente.

Os homens são responsáveis pelos seus próprios atos apesar de estarem mergulhados na história. Os sinais que Deus deixa aos homens para serem desvendados é que fazem com que os homens descortinem a própria história. Assim, a consciência humana sente a presença de uma ordem providencial que a dirige mas não a determina. Só depois de experienciar a ordem providencial é que os homens podem interpretá-la. Depois da idade dos homens, instala-se uma época de luxos e excessos que levam ao declínio e uma nova barbárie tem início.

Para Robert Caponigri a temporalidade polifônica de Vico pode ser desvendada tendo-se em conta, primeiro, que se a Providência é imanente a lei do progresso deve ser também um princípio imanente. Não há necessariamente de volta absoluta aos tempos remotos depois do fim de uma nação, pois os homens tendem para o infinito e sua história continua na busca por uma consciência mais ampla. A história progride porque é temporal, sendo o tempo também imanente como a Providência que também é temporal. Tem-se, daí, que os homens só serão no tempo e só nele terão consciência da existência. A consciência é infinita justamente porque sua existência se dá no tempo  e, sendo a Providência também infinita, não há fim para todo o processo histórico. Para Vico, os conhecimentos do tipo verum e certum tendem a se reunir sem contradições no que seria o “fim da história” mas este nunca ocorre porque a existência se dá num processo que é algo que não tem fim.  O retorno dos tempos bárbaros, para Caponigri, é entendido não como um retrocesso mas como um retorno do homem sobre si mesmo num plano reflexivo, quer dizer, trata-se de uma revitalização, uma volta às virtudes primeiras mas num plano muito superior ao dos ancestrais.



sábado, 2 de novembro de 2013

A CONSTANTE AMEAÇA DO NAZI-FASCISMO.

Comentário sobre o filme "A onda fascista" - Alemanha,2008; Direção: Dennis Gansel. 






O filme “A onda fascista” nos mostra o processo e os resultados de uma experiência pedagógica feita com estudantes em uma das fases mais críticas da formação da identidade pessoal, a adolescência. É uma fase de maior angústia por conta da necessidade de tomar decisões que dizem respeito à própria vida, angústia que pode levar muitos adolescentes a atitudes que prometem anestesiar este sofrimento, como, por exemplo, o uso de drogas ou a filiação a grupos extremistas.  No filme, a experiência levada a cabo pelo professor de reproduz, em sala de aula, as principais características de um regime autoritário, demonstra como os adolescentes estão propensos a participar de grupos em que, supostamente, encontrariam suporte emocional, solidariedade e a proteção de um líder que seria capaz de guiar a todos ao tomar decisões em nome da coletividade, retirando de cada um o fardo das decisões  pelo próprio destino.

“A onda fascista” serve de alerta para a o risco oferecido por  grupos que dariam aos seus membros uma identidade previamente definida, programada, como um porto seguro onde questões existenciais estariam supostamente resolvidas e controladas. Participar do grupo seria, assim, manter a mente em uma zona de conforto semelhante a um imaginário útero psíquico que nos isentaria de conflitos morais uma vez que abdicamos da nossa capacidade de reflexão para seguir cegamente as determinações de um líder.

Uma ideologia autoritária que leva à formação de grupos, vai de encontro às teorias psicanalíticas que definem a identidade pessoal como algo que nunca é fixado em definitivo, imutável, permanente, mas sim como um processo, uma contínua construção pessoal que, justamente por isso (por ser pessoal), faz de cada um de nós um ser humano diferente dos demais. É no exercício da liberdade que “nos fazemos”, decidindo e escolhendo de acordo com aquilo que projetamos para o futuro. Entregar a um líder o poder de decidir e escolher sobre si próprio, sobre valores a serem adotados, aparentemente livra uma pessoa da angústia da tomada de decisões, mas, um dia, uma tal abstenção cobra seu preço em forma de um sentimento de extrema apatia ou depressão por encontrar-se violentado o princípio que mais nos faz humanos, que mais nos destaca da natureza: o princípio da liberdade.

No que se refere ao conceito de personalidade, o filme nos mostra o quanto a reprodução de ideologias autoritárias interfere no modo de ser e de agir dos que as  adotam já que a personalidade é formada pela interação de aspectos interiores e exteriores ao sujeito, ou seja, por uma combinação de fatores que definem as atitudes de uma pessoa dentro dos diversos contextos sociais em que ela pode estar imersa. Assim, há sempre um grau de coerência nos comportamentos que, nos regimes autoritários, são estimulados a exacerbar a agressividade e a violência, como bem o mostram diversas cenas do filme. Se esse distúrbio emocional volta-se para o exterior, para destruição até mesmo física do outro, há também um tipo de sentimento, potencializado pelas ditaduras fascistas, que se volta para uma destruição  interior, a da própria personalidade: é a submissão doentia a uma hierarquia verticalizada que impõe o medo por meio da violência e que pretende justificar-se afirmando ser necessária para a coesão do grupo.  No filme, esse transtorno de personalidade estimulado pelo ambiente é representado pelo estudante que passa a andar com uma arma de fogo nomeando-se uma espécie de chefe da guarda do professor que assumiu o papel de ditador.


Assim, a mensagem deixada pelo filme é a de que os jovens expostos a um ambiente  em que predomina o autoritarismo, têm grandes chances de moldarem suas personalidades potencializando comportamentos egoístas e violentos. Isso ocorre porque um tal ambiente faz reduzir, para os que nele convivem, o espectro de socialização por causa da impossibilidade que se cria de aceitação das diferenças sociais e culturais existentes fora do grupo. As implicações psicológicas de um regime autoritário são, portanto, as piores possíveis pois, ao nos despojar de nossa liberdade de escolha e julgamento, a ditadura nos torna menos humanos pois o que o que mais caracteriza a nossa espécie é o uso da razão para refletir e julgar por conta própria. Sendo menos humanos, ficamos próximos à fronteira da animalidade, dos seres que reagem irrefletidamente, apenas por instinto. Por isso, personalidades influenciadas por regimes despóticos, recorrem à violência ante qualquer fato que apenas suponham ser ameaçadores. A ação irrefletida é motivada por uma ideia cristalizada a qual costumamos dar o nome de preconceito.