sexta-feira, 27 de setembro de 2013

RESUMO DO DISCURSO DO MÉTODO - RENÉ DESCARTES






DISCURSO DO MÉTODO

QUARTA PARTE

Descartes mostra os fundamentos das suas meditações metafísicas. Primeiramente,  rejeita como falso tudo aquilo em que pode supor a menor dúvida. Os sentidos não são fontes  seguras de conhecimento porque muitas vezes nos enganam. Razões demonstrativas também não seguras, já que muitos homens cometem paralogismos. Outra situação que gera desconfiança é o fato de podermos supor que todas as coisas que entram em nosso espírito possam ser como as ilusões dos sonhos. No entanto, mesmo que todas as coisas sejam falsas, eu necessariamente, penso. Se penso, sou alguma coisa: penso, logo existo. Este é o princípio que Descartes considera o mais sólido para sua filosofia, pois não pode ser abalado por qualquer suposição dos céticos. Podemos supor que não possuímos corpo e que não há mundo ou lugar algum mas nunca podemos supor que não existimos. Mesmo o fato de duvidar da verdade das coisas atesta minha existência. Por isso, o eu é uma substância cuja essência ou natureza consiste no pensar e não precisa ou depende de lugar algum ou de qualquer coisa material. A alma é distinta do corpo e é mais fácil de conhecer do que ele.
Depois de encontrar uma proposição que julga ser verdadeira e correta, Descartes quer saber em que consiste essa certeza. Descobre que a regra geral para essas proposições é a de que devem ser claras e distintas. Outro objetivo de Descartes é tentar descobrir de onde aprendera a pensar em algo mais perfeito do que ele já que ele duvidava das coisas e a dúvida revela imperfeição. O conhecer é a perfeição que se contrapõe à dúvida. Nossa natureza, diz Descartes, também possui alguma perfeição. Em vista disso, ele diz que podemos julgar como verdadeiros pensamentos sobre muitas coisas que estão fora de nós, como o céu, a Terra, a luz, etc. Se estes são verdadeiros, são dependências de nossa natureza. Se são pensamentos falsos, existiriam pelo que possuímos de falho. No que se refere à ideia de um ser mais perfeito do que o nosso próprio ser, não é possível fazê-la sair do nada e é até repulsiva a ideia de que o mais perfeito dependa do menos perfeito. Por isso, é impossível sair de nós mesmos a ideia de um ser mais perfeito. Tal ideia, portanto, só pode ter sido colocada em nós por uma natureza superior e que possui todas as perfeições de que tenhamos ideia: Deus.
Descartes deduz que não é o único ser existente visto que admite conhecer perfeições que não tem. Se recebeu dele mesmo esse pouco com o qual participa do Ser perfeito, por que não receberia o restante que lhe falta para ser perfeito: eternidade, imutabilidade, onisciência, poder absoluto, infinitude e todas as demais perfeições que percebemos existirem em Deus? Este raciocínio nos leva a pensar a natureza de Deus como aquela  que podemos conhecer considerando se é perfeição ou não possuir qualquer ideia existente em nós mesmos. Assim, dúvida, inconstância, tristeza e outras ideias como estas marcadas pela imperfeição, não existem Nele. Todas as outras ideias marcadas pela perfeição, estas sim, existem Nele. Além do mais, a respeito das coisas sensíveis e corporais, não podemos negar que as ideias que presumimos serem falsas existam em nosso pensamento. E, se Descartes já havia reconhecido que as naturezas inteligente e corporal são distintas e que toda composição pressupõe dependência e que a dependência é uma falha, então, Deus, por ser perfeito, não pode ser composto dessas duas naturezas.  Daí que outros corpos, inteligências ou naturezas que porventura existam sem serem totalmente perfeitos, sejam seres que dependem do poder de Deus e que não subsistem sem Ele.
Depois disso, Descartes quis buscar mais verdades e examinou algumas das demonstrações mais simples dos geômetras. Concluiu que a grande certeza das afirmações se alicerça somente na evidência com que são concebidas mas nada nelas garante, de fato, a existência de seus objetos. A ideia de um ser perfeito, porém, inexoravelmente, inclui  sua existência, assim como, necessariamente, num triângulo,  seus três ângulos serão iguais a dois retos. A existência de Deus é tão certa quanto qualquer demonstração geométrica.
As ideias de Deus nunca estiveram nos sentidos, por isso a dificuldade que as pessoas têm de conhecê-lo. Mesmo os filósofos têm essa dificuldade quando acreditam que tudo o que existe em nosso entendimento, antes passou pelos sentidos. Sabemos, entretanto, que nossos sentidos e nossa imaginação não nos podem garantir coisa alguma sem a intervenção de nosso juízo. Usar a imaginação para compreender Deus é o mesmo que tentar  ouvir os sons ou sentir os odores utilizando-se dos olhos.  Quem não se convence da existência de Deus com esses argumentos, está ainda menos certo de que possui um corpo e de que existam astros e a Terra. A certeza moral dessas coisas é de tal ordem que só mesmo sendo extravagantes podemos duvidar de sua existência. Mas, quanto à certeza metafísica, é motivo suficiente para estarmos inseguros o fato de que muitos pensamentos que nos surgem em sonhos são mais vívidos do que os que temos acordados. Mesmo os grandes espíritos conseguem dirimir essas dúvidas apenas quando presumem a existência de Deus. Nossas ideias ou noções quando são verdadeiras e distintas são oriundas de Deus. Verdade ou perfeição não se originam do nada. Já as ideias que contém falsidade assim o são porque não somos totalmente perfeitos. Falsidade ou imperfeição não se originam de Deus.  Só depois de termos a certeza dessa regra graças ao conhecimento de Deus, compreendemos que os sonhos não devem levar-nos a duvidar da verdade dos pensamentos que temos quando despertos.    Uma ideia clara e distinta pode ocorrer mesmo quando dormimos. As ideias podem nos enganar estejamos dormindo ou acordados. Por isso, despertos ou mergulhados no sono, só devemos deixar-nos convencer pela evidência de nossa razão. Os sentidos nos enganam quando enxergamos o sol pequeno mesmo não julgando que seja do tamanho que o vemos. A imaginação pode criar um leão com corpo de bode mas não acreditamos por isso na existência de uma quimera. Isso ocorre porque a razão nos sugere que todas as nossas ideias ou noções devem conter algum fundamento de verdade. Deus, que é todo perfeito e verídico, não as teria colocado em nós sem isso.



sexta-feira, 13 de setembro de 2013

DAVID HUME

O "Ensaio sobre o entendimento humano", de David Hume, e a Teoria do Conhecimento. 

Seção 2 - Da origem das ideias.

Para David Hume, na quase totalidade dos casos, o conhecimento é adquirido por meio da experiência. O filósofo defende esta tese afirmando que os sentidos nos fornecem todo o material com que, depois, formamos nossas ideias e que, portanto, não há ideias que não provenham de experiências vividas à luz dos sentidos, com os sentidos. Hume hierarquiza as formas de percepção da mente dividindo-as em duas classes: as de maior vivacidade que atuam sempre que ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou exercemos nossas vontades e as que apenas representam as primeiras e são menos fortes ou vivazes, às quais chamamos pensamentos ou ideias. Estas últimas nunca atingem uma intensidade de vivência perceptiva como as primeiras pois são apenas um reflexo dos sentimentos ou sensações originais vividos por meio dos sentidos. 

Assim, para Hume, a lembrança de todas as emoções vividas intensamente durante um jantar a dois, por exemplo, nunca terá a mesma força ou vivacidade que a experiência vivida de fato; a recordação do grito histórico que fez eclodir uma revolução ou foi a senha para a proclamação da independência de um país, jamais terá a mesma carga de sensações do momento de fato em que o gesto ocorreu.  O filósofo sustenta que a força da experiência vivida é anterior e está na origem do grande poder criador da mente. Se esta é capaz de operar com as ideias de modo a compô-las, transpô-las, aumentá-las ou diminuí-las é porque o faz com o material fornecido, de antemão, pelos sentidos e pela experiência. Podemos, perfeitamente, compor a imagem de um homem com asas a voar sobre a cidade ou a de uma criatura que seja metade cavalo, metade ser humano. Em ambos os casos, os materiais do pensamento foram derivados da sensação e à mente ou à vontade coube apenas misturar e compor esses materiais. Resumidamente, as impressões (percepções mais vívidas) dão origem às nossas ideias (percepções mais tênues), cópias das primeiras.
 A ideia de Deus, para Hume, também não escapa desta teoria uma vez que esta ideia seria advinda de uma operação reflexiva de nossa própria mente que aumenta de forma ilimitada as qualidades de bondade, inteligência e sabedoria e as atribui a um Ser supremo. A operação mental que nos faz imaginar Deus, portanto, parte de atributos encontrados e vivenciados entre os próprios seres humanos. Os argumentos de Hume vão no sentido de que não existem pensamentos ou ideias a priori, ou seja, pensamentos que prescindem de qualquer relação com experiências vividas. Há, porém, um fenômeno que pode provar que nem todas as ideias provêm das experiências vividas por meio dos sentidos. É o caso, por exemplo, de um homem que, até uma certa idade de sua vida, nunca tivesse se deparado com um determinado tom de cor e fosse, um dia, apresentado a uma escala cromática com os vários tons mais fortes e mais suaves dessa mesma cor que ele nunca antes vira. Há de se supor que, por comparação, o homem conseguiria perceber qual o tom estaria faltando para completar a escala cromática. Seria uma forma de ter uma determinada ideia sem antes ter tido a experiência real, por meio dos sentidos, do objeto capaz de provocar essa ideia.

Seção 4 - Dúvidas céticas sobre as operações do entendimento.

No que diz respeito aos objetos da razão ou investigação humanas, David Hume sustenta a divisão destes em dois tipos: relações de ideias e questões de fato. No primeiro caso, incluem-se as ciências da geometria, álgebra e aritmética, além de toda  e qualquer outra afirmação intuitiva que contenha a principal característica destas ciências, qual seja, a de ser demonstrativamente certa. Quando afirmamos que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, expressamos uma relação precisa entre essas grandezas. Ao defendermos que “três vezes dez é a metade de sessenta”, afirmamos uma relação entre esses números. As proposições que emitem relações de ideias podem ser descobertas pela simples operação do pensamento, independentemente do que possa existir em qualquer parte do universo. Quando se trata de uma questão de fato, a evidência de sua verdade não é da mesma natureza que a das relações de ideias. Isso porque o contrário de toda questão de fato permanece sendo possível, não implicará em qualquer contradição. É por isso que se dissermos que “o sol não nascerá amanhã” não emitiremos uma proposição menos inteligível que a proposição “o sol nascerá amanhã”.
 Nas questões de fato, somente por meio da relação de causa e efeito podemos ir além da evidência de nossa memória e de nossos sentidos. Assim, quando temos a percepção do fato, podemos deduzir a causa deste por meio da imaginação e com ou sem a presença de uma evidência comprobatória, que seria como que uma suposta representante do fato. Se pedíssemos para alguém demonstrar o motivo de sua crença de que seu pai está nos Estados Unidos, esse alguém poderia nos mostrar uma carta de seu pai enviada dos Estados Unidos. Por isso, David Hume afirma que, nas questões de fato, há uma conexão entre o fato presente e o fato que dele se infere. Calor e luz são efeitos colaterais do fogo, e um dos efeitos pode ser legitimamente inferido do outro. Para o filósofo inglês, o conhecimento dessa relação em nenhum caso é atingido graças a raciocínios a priori, mas advém, isto sim, inteiramente da experiência. Para Hume, as qualidades dos objetos que aparecem aos sentidos jamais revelam as causas que o produziram e os efeitos que são capazes de produzir. Sem auxílio da experiência, nossa razão não é capaz de chegar a qualquer conclusão que se refira à existência efetiva de coisas ou questões de fato. 
 No caso de acontecimentos cotidianos que nos são conhecidos desde que viemos ao mundo, esta mesma verdade acerca das questões de fato pode não parecer evidente à primeira vista. Nestes casos, temos a tendência de pensar que poderíamos tê-los deduzidos pura e simplesmente por meio da razão, sem contar com a experiência. Seria como imaginar que, ao chegarmos a este mundo, já tivéssemos a noção de que a água, ao nos transmitir, pelo sentido da visão, apenas a qualidade de sua transparência, pudesse também nos fazer notar que ela é capaz de nos sufocar. É por isso que, para David Hume, é preciso sempre separar claramente os fatos de suas consequências. A postura cética alerta para a possibilidade de um efeito qualquer ligado a um determinado fato pode não se repetir indefinidamente por mais vezes que já tenha ocorrido ao longo da história. A crença de que um determinado acontecimento, pelo fato de ter se repetido várias vezes, vai continuar a ocorrer para sempre reproduzindo a mesma relação de causa e efeito deve ser considerada um hábito contra o qual devemos lutar pois, para Hume, o hábito além de encobrir nossa ignorância chega a ocultar-se a si próprio, parecendo não estar presente porque existe no mais alto grau.