Na Metafísica de Aristóteles, a aritmética é um campo de
estudos capaz de nos mostrar, com bastante clareza, alguns dos aspectos mais
importantes de seu sistema filosófico: um desses aspectos é a definição de
substância. Para o filósofo grego há, em nosso universo, uma substância
primordial, da qual tudo se deriva, causa primeira de tudo o que existe e que
não é causada por nenhuma outra coisa. Esta substância primordial e imóvel estaria
eternamente presente no universo. Em outras palavras, a substância é um ser que
não é inerente a outro e “nem se predica de outro: existe independentemente e
não é predicada de algum substrato, mas é aquilo do qual todo o resto é
predicado” (In: Metafísica, Aristóteles).
A substância, portanto, pode ser chamada de “um primeiro”.
Então vamos transpor esta definição de substância para os
números. Sabemos que todo e qualquer número natural é composto por unidades e
que essas unidades não se diferenciam umas das outras. Quer dizer, para os
números, a substância primordial é a unidade. Ela é aquilo de que todos os
números são compostos. Por isso, podemos dizer que, para os números, a unidade
é a substância primeira. Com efeito, o número dois, por exemplo, é composto por
duas unidades, o três, por três unidades, e assim por diante. Tais unidades não
se diferenciam entre si, são indistintas, ou seja, nenhuma unidade é maior ou
menor que a outra, todas são idênticas e imutáveis. Na linguagem própria à
Filosofia, dizemos que os números não são formados por uma multiplicidade de
particulares. Por exemplo: o número 3, que é composto por 3 unidades é igual a
1a + 1b + 1c, sendo cada uma dessas unidades como um clone da
outra, sem distinção de quantidade ou de qualquer outra forma de diferenciação.
Portanto, não é verdade que 1a é menor ou maior que 1b e este menor ou maior que
1c.
Em Aristóteles, também encontramos os conceitos de matéria e
forma e os de potência e ato aplicados aos números. De acordo com o filósofo
grego, matéria é tudo aquilo de que algo é composto; forma é o ser ou a ideia
presente na matéria e que dá sentido a ela. Assim, por exemplo, tendo madeira
como matéria, a ela podemos submeter a forma canoa ou outras formas como as de
mesa, cabo de vassoura ou cassetete. Estas são formas que contêm a ideia
universal que temos do que sejam essas coisas. Em relação aos conceitos de ato
e potência, neste mesmo exemplo temos que a madeira tem, em potência, todos os
objetos que dela podem ser derivados.
E como estes conceitos são transpostos para os números? Como
explicamos anteriormente, no sistema aristotélico a unidade da qual se compõe
todos os números é relacionada à substância primordial, imóvel e eterna, causa
incausada, causadora de todas as outras coisas, também chamada motor imóvel do
universo. Para Aristóteles, a unidade numérica, por ser a substância dos
números, deve ser entendida muito mais como forma, que é princípio de
determinação ou, pelo menos, como sínolo (junção) de matéria e forma, porque trata-se
de algo que é determinado, que tem uma essência ou um sentido em si mesmo. Ele
afirma que a unidade não pode ser entendida como matéria porque esta é indeterminada,
ou seja, não assume certos limites capazes de lhe conferir um sentido. Ainda de acordo com Aristóteles, a unidade se
relaciona mais ao ato, que é uma existência efetiva, do que à potência, que é
poder-ser, ainda-não-ser.