quarta-feira, 23 de setembro de 2015

EDUCAÇÃO QUE NÃO SERVE PRA NADA.

"Pro dia nascer feliz" é um excelente documentário sobre a Educação no Brasil, seja nas zonas rurais, periferias ou bairros nobres das metrópoles. Me pediram pra fazer um texto sobre o filme que está disponível, inteiro, no Youtube. Quem tiver um tempinho, leia o texto e me diga se ficou legal. Aí vai:

Uma vez, a cantora Elza Soares, ainda uma caloura em programas de rádio, deu uma resposta surpreendente ao apresentador Ary Barroso, da Rádio Nacional, que lhe perguntou, em tom jocoso, de que planeta ela viera. “Do planeta fome”, disse a cantora, ao vivo, para todo o Brasil, deixando o grande compositor desconcertado. 

Pois esta fome num sentido amplo, ou seja, não só de comida, mas também de amor, amizade, cultura, relações humanas, prazer, reconhecimento e tantos outros valores e sentimentos primordiais para qualquer ser humano, foi o que percebi nos estudantes pobres mostrados pelo filme “Pro dia nascer feliz”. O documentário revela como tanta carência chega a se tornar absurda quando nos apresenta as meninas que vão à escola apenas para encontrar namorado ou para ter algum outro tipo de “escape” de suas vidas pequenas, medíocres, insensatas. 

É um problema social imenso que se reproduz há séculos e que não tem como estar ausente de tantas escolas das periferias ou áreas rurais do Brasil. Mesmo assim, essa fome de tudo que é o básico parece ser pouco levada em conta pelas instituições de ensino que podem até acolher os jovens fisicamente, mas não encontram meios de fazê-los desenvolver-se espiritual e intelectualmente. A exceção a esta regra vem do “esforço de Hércules” de alguns poucos professores com alguma sensibilidade artística, boa formação teórica, além de generosidade e sabedoria para transmitir aos filhos da miséria algum sentido existencial. 

Na maioria das vezes, professores e professoras não têm o alcance do compromisso moral, intelectual e espiritual necessário para compreender e lidar com a complexidade das relações humanas num contexto de ensino-aprendizagem dentro desta realidade que é a nossa. Assim, comportam-se de maneira tecnicista, como meros transmissores de conhecimentos prontos, o que os distancia dos alunos porque não se mostram capazes de qualquer esforço criativo e em conjunto na busca de significados atuais, pertinentes, vivos, que estimulem os jovens. Trata-se de uma postura perfeitamente adequada a todo o sistema burocrático, logístico, didático, curricular, que ignora ou finge ignorar as reais necessidades e interesses dos estudantes que, na maioria das vezes, não têm famílias que lhes deem qualquer suporte ou orientação ética que os ajude a lidar com a realidade da forma que ela se apresenta. 

E, como se não bastasse a fragilidade ética e econômica dos estudantes – e mesmo por causa dela -, a violência se instala com folga no espaço de onde mais deveria ser banida, pois representa o extremo oposto de qualquer concepção que se tenha de Educação. Afinal, como levar adiante a tarefa que mais compete à escola que é a de discutir e entender as grandes questões científicas e os problemas humanos, quando o medo se impõe e faz a atenção se fixar quase que exclusivamente na luta imediata pela sobrevivência? Tamanha insegurança e constrangimento gera um imenso bloqueio intelectual para a grande maioria, pois o poder do tráfico e de outros meios violentos vai muito além das bocas de fumo e dos becos da prostituição, instalando-se nas próprias mentes de jovens que, ao nascerem e crescerem nesse meio, veem como normal a busca por uma identidade e por reconhecimento dentro da “cultura da bandidagem”.