Síntese de artigo sobre Giambattista Vico do doutor em História pela UNESP, André Luiz Joanilho (Revista de Ciências Sociais, Vol. 9 - N.2/2004 - p. 67-84).
|
O napolitano Giambattista Vico (1668-1744). |
Giambattista Vico (1668-1744) é considerado pelo
historiador André Luiz Joanilho o
precursor da História Cultural, pois foi um dos primeiros pensadores a conceituar
o homem em sua dimensão temporal e histórica. Vico fez parte de uma época em
que uma das principais querelas entre os filósofos era a respeito da
superioridade ou não dos modernos sobre os antigos. A partir de Francis Bacon,
a disputa tendeu para o lado dos defensores dos modernos por conta da noção de
que o conhecimento é cumulativo, o que quer dizer que quanto mais o tempo
passa, mais capacidade têm os homens de compreender o mundo e a si mesmos. Vico
entendeu que os antigos não eram superiores aos modernos mas essa posição ainda
não o coloca como um dos precursores da ideia de progresso. Para ele, a temporalidade não era algo que
fluía sem interrupções mas sim com múltiplas recorrências que se manifestam de
forma alternada e cíclica em função do bem e do mal, dois elementos da condição
humana que são determinados e fixos.
Vico pode ser estudado como um
filósofo que investigou a possibilidade de um conhecimento total, sem
interrupções, um saber filosófico que Michel Foucault chamou de “mathêsis”,
isto é, um conhecimento que se estende, sem cortes, pelas diversas ciências
como a matemática, a astronomia, a medicina, a filosofia e assim por diante. De
acordo com o filósofo napolitano, para atingirmos a “mathêsis” devemos dar à
linguagem a condição de centro da atividade humana. A natureza se faz quando
são cruzadas as palavras e as coisas, quando as coisas são nomeadas. Na idade
clássica, a linguagem transcreve o olhar minucioso dos homens sobre as coisas,
formando a mathêsis como uma contínua rede de conhecimentos Como homem de seu
tempo, Vico deu tamanha importância à linguagem que adotou a filologia como um
meio para entender as primeiras civilizações.
André Luiz Joanilho nos alerta para
o risco de concebermos o pensamento viquiano como precursor do que seriam as
Ciências Humanas no século XIX. Para o historiador, a tendência de pensarmos de
tal modo é alimentada por um artifício dos filósofos da história que tentaram
legitimar suas teses considerando-as como resultados da continuidade de um
progresso que teria Vico como ponto de origem. Assim, seriam os herdeiros de
conhecimentos acumulados ao longo do tempo, estando, portanto, em condições de
superioridade sobre os que não desfrutam de uma tal condição. O pensamento de
Vico serviu a esse tipo de sistema devido à sua formulação de determinadas
concepções de tempo. Mas, quando compreendemos o pensamento do filósofo
napolitano dentro de suas própria época é que temos a melhor dimensão de seu
ineditismo e de seu espírito provocador. Essa dimensão pode ser compreendida em
sua pretensão de criar uma nova ciência,
que não se concretizou mas que propôs novas formas de compreender o ser humano
e sua história.
NOVO CONHECIMENTO: VERUM/ CERTUM
Para Giambattista Vico, só podemos
obter um tipo de verdade: aquela que é produzida pelo próprio homem. Esse
pensamento foi uma corajosa afronta ao cartesianismo dominante na época que
postulava que a Matemática era o único instrumento para compreensão do ser porque
as certezas desta ciência não passam pelos sentidos, considerados fontes
inseguras para o conhecimento. Descartes desprezava o que chamamos de
Humanidades que, segundo, ele, contém apenas informações confusas e
embaralhadas e, portanto, não seriam capazes de oferecer certezas. Mas são
esses dois campos do conhecimento – História e Linguagem - que Vico elege como os principais meios de atingirmos a
verdade. Para ele, é em tudo aquilo que os homens fizeram que está a pista para
se compreender a Providência e, assim, ter-se consciência da existência. Vico
chama de arrogantes os cartesianos que
conheciam o verum apenas por
abstrações.
Outros ramos do conhecimento não
eram menosprezados por Vico pois, de acordo com ele, todos têm em si a marca da criação humana sendo,
por isso, meios para o conhecimento verdadeiro. Mas Vico afirma a superioridade
da História por acreditar que sua principal característica está no que mais nos
caracteriza como humanos: a imaginação. Para ele, esta é a faculdade com que
podemos compreender as ações humanas, suas intenções ou os motivos porque agimos
desta ou daquela forma. Assim, para Vico, o verdadeiro é o que é feito. Com o
uso da razão imaginativa podemos entender o que fazemos na história.
Para Vico, a certeza é uma forma de
conhecimento diferente da verdade. Para ele, a natureza e seus eventos podem
ser estudados por ciências como a física e a astronomia que garantem certezas
sobre o que existe mas não garantem a verdade pois, como os homens não criaram
a natureza, não podem ter acesso às suas causas. Somente Deus pode ter acesso
às verdades da existência por ter sido Ele o seu criador. Se Deus entende
plenamente o sentido de sua criação, o homem pode apenas pensar sobre este
sentido pois conhece partes da
totalidade do que existe. O conhecimento do homem só ocorre por abstrações, o
que permite a ele procurar o que originariamente não possui para chegar às
certezas de que precisa. Assim, é na história que o homem fabrica essa
realidade e se torna consciente de si e de sua existência, adquirindo a certeza
e se direcionando a Deus. Uma vez que somos criadores de nossa realidade, temos
condições de conhecê-la em sua totalidade, uma busca que nos fará alcançar a
divindade.
TEMPO E HISTÓRIA: UM MUNDO EM
MOVIMENTO.
Vico pode ser considerado um dos
precursores da ideia de processo histórico que atesta haver um encadeamento dos
fatos de acordo com uma finalidade. O pensamento do filósofo italiano pode ter
sido inspirado pela Biologia que identificou ciclos naturais que são cumpridos
pelos seres vivos. À medida em que a história é encarada também como um
processo, haveria também, então, ciclos históricos a serem cumpridos pelos
homens. O desvendamento desses ciclos nos torna significativo tudo o que a
História traz consigo. Porém, é
necessário uma ressalva pois apenas em parte a história é cíclica para Vico. Em
parte ela tem uma temporalidade polifônica, ou seja, a estrutura temporal da
história não é linear mas contrapontual, há inúmeras linhas de desenvolvimento
sem que seja possível estabelecer coerência entre elas. Portanto, para Vico, os homens não progridem
mas vivem diversas temporalidades que se encontrarão na Providência.
Para Vico, a história humana é
dividida em três grandes eras: a dos deuses, a dos heróis e a dos homens. Essa explicação foi deduzida das obras
literárias da antiguidade graças à pesquisa do significado de palavras e
metáforas, ou seja, Vico compreendeu o mundo antigo por meio da linguagem. A
primeira fase histórica teve início quando os homens se espalharam pela terra,
logo após o dilúvio, e passaram a viver como animais. Imperava a lei dos mais
fortes que faziam dos mais fracos seus servos. Na era dos heróis, os servos
entram em conflito com os senhores reclamando igualdade. A hera dos homens tem
início quando leis de igualdade passam a vigorar nas democracias ou repúblicas
populares.
O filósofo italiano acreditava que
os pensadores antigos não tinham conhecimento suficiente para compreender o
mundo melhor do que os modernos. Além disso, como os antigos não conheceram
outros homens além dos tipos rudes, incultos e cruéis, a linguagem dos
primeiros escritores retratava essa realidade pois, para Vico, a forma de usar
as palavras nos traça o desenho de uma época, com seus processos mentais,
atitudes e perspectivas humanas. Pelo estudo da linguagem seríamos, então,
capazes de revelar o modo de ser, agir e pensar de seus usuários já que as
mentes são formadas pelo caráter da linguagem e não esta pelo caráter daqueles
que a usam.
Então, a forma escrita hieroglífica
manifestava todo o temor que os homens sentiam na idade dos deuses e as
metáforas poéticas serviam para reverenciar os deuses, relatando seus grandes
feitos, as origens do conhecimento humano, da sociedade e da cultura do homem
e, a fortiori, dos poderes dos homens
primitivos de dar nomes aos objetos, dotando-os de atributos específicos. A
etimologia das palavras indicava a circunstância material da existência humana.
Na idade dos heróis , havia repúblicas oligárquicas dominadas pelos que se
diziam descendentes dos deuses. A poesia retratava a avareza, a crueldade e a
torpeza de uma época em que as leis poéticas são deturpadas pelos aristocratas
para subjugar a população. Na idade dos homens, surge a lei da justiça
democrática permitindo que houvesse o acompanhamento das discussões livres, dos
argumentos legais, a prosa, o desenvolvimento da razão e a ciência. Ao deixar
os mitos de lado o ser humano toma consciência de si. Na era dos homens, o conhecimento
é superior por ser consciente.
Os homens são responsáveis pelos
seus próprios atos apesar de estarem mergulhados na história. Os sinais que
Deus deixa aos homens para serem desvendados é que fazem com que os homens
descortinem a própria história. Assim, a consciência humana sente a presença de
uma ordem providencial que a dirige mas não a determina. Só depois de
experienciar a ordem providencial é que os homens podem interpretá-la. Depois
da idade dos homens, instala-se uma época de luxos e excessos que levam ao
declínio e uma nova barbárie tem início.
Para Robert Caponigri a
temporalidade polifônica de Vico pode ser desvendada tendo-se em conta,
primeiro, que se a Providência é imanente a lei do progresso deve ser também um
princípio imanente. Não há necessariamente de volta absoluta aos tempos remotos
depois do fim de uma nação, pois os homens tendem para o infinito e sua
história continua na busca por uma consciência mais ampla. A história progride
porque é temporal, sendo o tempo também imanente como a Providência que também
é temporal. Tem-se, daí, que os homens só serão no tempo e só nele terão
consciência da existência. A consciência é infinita justamente porque sua
existência se dá no tempo e, sendo a
Providência também infinita, não há fim para todo o processo histórico. Para
Vico, os conhecimentos do tipo verum e
certum tendem a se reunir sem
contradições no que seria o “fim da história” mas este nunca ocorre porque a
existência se dá num processo que é algo que não tem fim. O retorno dos tempos bárbaros, para Caponigri,
é entendido não como um retrocesso mas como um retorno do homem sobre si mesmo
num plano reflexivo, quer dizer, trata-se de uma revitalização, uma volta às
virtudes primeiras mas num plano muito superior ao dos ancestrais.