A IDEIA EM KANT COMPARADA AOS CONCEITOS DE IDEIA EM PLATÃO, DESCARTES, LOCKE E HUME.
Este
conceito de ideia kantiano diferencia-se do de Platão pelo fato de
este último considerar as ideias como sendo algo muito mais que
chaves para experiências possíveis, como sugeriu Kant: seriam,
isto sim, arquétipos das próprias coisas derivadas da razão
suprema que as transmitiu à razão humana. Assim, Platão elimina
qualquer possibilidade de as ideias terem, como ponto de partida para
serem formadas, a interação direta de nossa estrutura cognitiva com
o mundo. Ora, isto se opõe ao pensamento kantiano para o qual o
primeiro estágio de formação das ideias se dá pelas sensações,
quando configuramos o mundo de acordo com o espaço e o tempo que são
formas da sensibilidade.
O
conceito de ideia de René Descartes assemelha-se ao de Platão
quanto ao descrédito dado aos sentidos para nos fornecer elementos
para formação de ideias verdadeiras. Segundo Descartes, o que
garante a existência, em nós, de ideias claras e distintas é a
ideia que posso ter de um ser perfeito, Deus, uma ideia inata e da
qual não sou uma causa. É esta ideia que posso ter da substância
infinita e da qual não posso duvidar que, segundo Descartes, permite
a afirmação da existência do mundo exterior a nós. Assim, o
conceito cartesiano de ideia contraria o conceito de Kant pois este
não acredita em ideias inatas mas apenas em estruturas inatas que
nos possibilitam a formação de ideias. São essas estruturas que
garantem à nossa razão a capacidade de, em contato com o mundo,
elaborar por si própria as ideias que fazemos do mesmo. Em vez de
desconfiar dos sentidos, como o faz Descartes, Kant afirma que ideias
verdadeiras são as que estão conectadas a este processo de
elaboração de ideias pela nossa razão e que começa pelas
sensações.
Para o
filósofo John Locke, todas as ideias provêm da experiência que, ao
longo da vida, vai deixando marcas em nossas mentes. A mente
funcionaria como um receptáculo das sensações, o lugar onde estas,
de uma em uma ou reunidas se uniriam à reflexão para formarem
ideias simples. Ideias complexas seriam originadas por um conjunto de
ideias simples. Portanto, para Locke, sensação e reflexão - que é
um voltar-se da alma sobre si mesma para perceber o que nela ocorre -
seriam as duas fontes do conhecimento. A grande diferença dos
pensamentos de Locke e de Kant é que o primeiro acredita que as
ideias que formamos na mente reproduzem fielmente a realidade mesma
das coisas. Teríamos, portanto, em nossas mentes, um espelho da
realidade, um aparato que nos possibilita ter acesso à verdade por
ser capaz de obter uma correspondência do pensamento com a
realidade. É uma teoria que nos conduz à problemática da
metafísica já que o filósofo empirista não consegue precisar o
que estaria por debaixo das diversas qualidades, sensações e
impressões que as coisas nos produzem. Tanto é assim que Locke
chama a coisa em si ou substância de “um não-sei-quê”.
Kant, ao contrário, não acredita que podemos pensar a realidade
como ela é de fato, em si mesma. Defende que só conhecemos das
coisas que nos são dadas na experiência aquilo que delas temos a
capacidade de captar por meio da estrutura cognitiva que nos é
própria, ou seja, somos limitados para a compreensão do mundo,
porém, não somos meros receptáculos passivos da realidade, mas sim
sujeitos que construímos um sentido próprio para as coisas usando
nossa razão e seus processos e métodos de compreensão do mundo.
Para
David Hume, ideia é um tipo de percepção da mente formada a partir
de uma ou mais impressões que são percepções imediatas e que
ocorrem sempre no presente, no aqui e agora. Para o filósofo
empirista, as impressões são muito mais vívidas que as ideias que
seriam como retrados quase apagados ou cópias desbotadas das
impressões. Como o conhecimento nos é dado pela experiência, ao
entendimento humano não caberia nada além de associar corretamente
as ideias de forma que estas correspondam à realidade que se nos
apresenta de forma regular. Kant não desconsidera a importância da
experiência para que possamos formar nossas ideias mas, segundo
ele, para o desempenho desta tarefa a experiência só não basta. De
acordo com o filósofo prussiano, ao contrário de ser um sujeito que
apenas reproduz em sua mente, de forma automática, o que se passa no
meio exterior a ele, o homem é dotado de estruturas mentais
pré-estabelecidas e também de sua liberdade que o ajudam a dar um
sentido todo próprio à realidade. A ideia, para Kant, faz parte de
uma instância superior da razão e não corresponde a nenhum objeto
dado pelos sentidos. É uma resposta da razão à sua própria
insatisfação com a multiplicidade dada pela intuição e é capaz
de reunir esta multiplicidade numa totalidade incondicionada que se
eleva para além das possibilidades de experiência.
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