Comentário sobre o filme "A onda fascista" - Alemanha,2008; Direção: Dennis Gansel.
O filme “A onda fascista” nos mostra o processo e os resultados
de uma experiência pedagógica feita com estudantes em uma das fases mais
críticas da formação da identidade pessoal, a adolescência. É uma fase de maior
angústia por conta da necessidade de tomar decisões que dizem respeito à
própria vida, angústia que pode levar muitos adolescentes a atitudes que
prometem anestesiar este sofrimento, como, por exemplo, o uso de drogas ou a
filiação a grupos extremistas. No filme,
a experiência levada a cabo pelo professor de reproduz, em sala de aula, as
principais características de um regime autoritário, demonstra como os adolescentes
estão propensos a participar de grupos em que, supostamente, encontrariam
suporte emocional, solidariedade e a proteção de um líder que seria capaz de
guiar a todos ao tomar decisões em nome da coletividade, retirando de cada um o
fardo das decisões pelo próprio destino.
“A onda fascista” serve de alerta para a o risco oferecido por grupos que dariam aos seus membros uma
identidade previamente definida, programada, como um porto seguro onde questões
existenciais estariam supostamente resolvidas e controladas. Participar do
grupo seria, assim, manter a mente em uma zona de conforto semelhante a um imaginário
útero psíquico que nos isentaria de conflitos morais uma vez que abdicamos da
nossa capacidade de reflexão para seguir cegamente as determinações de um
líder.
Uma ideologia autoritária que leva à formação de grupos, vai de
encontro às teorias psicanalíticas que definem a identidade pessoal como algo
que nunca é fixado em definitivo, imutável, permanente, mas sim como um
processo, uma contínua construção pessoal que, justamente por isso (por ser
pessoal), faz de cada um de nós um ser humano diferente dos demais. É no
exercício da liberdade que “nos fazemos”, decidindo e escolhendo de acordo com
aquilo que projetamos para o futuro. Entregar a um líder o poder de decidir e
escolher sobre si próprio, sobre valores a serem adotados, aparentemente livra uma
pessoa da angústia da tomada de decisões, mas, um dia, uma tal abstenção cobra
seu preço em forma de um sentimento de extrema apatia ou depressão por encontrar-se violentado
o princípio que mais nos faz humanos, que mais nos destaca da natureza: o princípio da
liberdade.
No que se refere ao conceito de personalidade, o filme nos
mostra o quanto a reprodução de ideologias autoritárias interfere no modo de
ser e de agir dos que as adotam já que a
personalidade é formada pela interação de aspectos interiores e exteriores ao
sujeito, ou seja, por uma combinação de fatores que definem as atitudes de uma
pessoa dentro dos diversos contextos sociais em que ela pode estar imersa.
Assim, há sempre um grau de coerência nos comportamentos que, nos regimes
autoritários, são estimulados a exacerbar a agressividade e a violência, como
bem o mostram diversas cenas do filme. Se esse distúrbio emocional volta-se para
o exterior, para destruição até mesmo física do outro, há também um tipo de
sentimento, potencializado pelas ditaduras fascistas, que se volta
para uma destruição interior, a da
própria personalidade: é a submissão doentia a uma hierarquia verticalizada que
impõe o medo por meio da violência e que pretende justificar-se afirmando ser
necessária para a coesão do grupo. No
filme, esse transtorno de personalidade estimulado pelo ambiente é representado
pelo estudante que passa a andar com uma arma de fogo nomeando-se uma espécie
de chefe da guarda do professor que assumiu o papel de ditador.
Assim, a mensagem deixada pelo filme é a de que os jovens
expostos a um ambiente em que predomina
o autoritarismo, têm grandes chances de moldarem suas personalidades
potencializando comportamentos egoístas e violentos. Isso ocorre porque um tal
ambiente faz reduzir, para os que nele convivem, o espectro de socialização por
causa da impossibilidade que se cria de aceitação das diferenças sociais e
culturais existentes fora do grupo. As implicações psicológicas de um regime autoritário são, portanto,
as piores possíveis pois, ao nos despojar de nossa liberdade de escolha e
julgamento, a ditadura nos torna menos humanos pois o que o que mais caracteriza a
nossa espécie é o uso da razão para refletir e julgar por conta própria. Sendo
menos humanos, ficamos próximos à fronteira da animalidade, dos seres que
reagem irrefletidamente, apenas por instinto. Por isso, personalidades influenciadas
por regimes despóticos, recorrem à violência ante qualquer
fato que apenas suponham ser ameaçadores. A ação irrefletida é motivada
por uma ideia cristalizada a qual costumamos dar o nome
de preconceito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário