quarta-feira, 28 de outubro de 2015

CONHECIMENTOS ANALÍTICO E SINTÉTICO.

Aula 3 – Filosofia da Matemática.
Conhecimentos analítico e sintético

Sérgio Augusto Borges

De acordo com a Filosofia da Matemática, é na ciência Matemática que mais se apresenta um tipo de conhecimento considerado dos mais precisos e abrangentes e que podemos obter sem recorrer à experiência, sem necessitar dos sentidos. É o conhecimento que foi denominado pelo filósofo Imanuel Kant de conhecimento sintético a priori. Para dar uma noção precisa do que seja este tipo de conhecimento comecemos por explicar o porquê da palavra “sintético” aí presente: o termo sintético se explica pelo motivo de que este conhecimento – conhecimento sintético a priori -  é capaz de desvendar a relação entre dois conceitos que, à primeira vista, não têm qualquer conexão entre si. O conhecimento sintético pode ser comparado às ligações químicas que ocorrem entre elementos completamente diferentes, mas que, ao serem misturados, formam algo mais, dão origem a outro elemento também consistente, mas que não estava necessariamente presente naqueles elementos químicos que o formaram. Ou seja, o novo elemento pôde ser formado graças a uma síntese de outros elementos que tinham apenas o potencial de formar este novo elemento.

 A síntese química ocorre no plano empírico. Na Filosofia, o corre a síntese de conceitos mentais, e ela pode ser feita sem recorrermos à experiência empírica, ou seja, pode ocorrer independentemente dos órgãos dos sentidos. Vamos citar um exemplo: a frase “a linha é a menor distância entre dois pontos” pode ser considerada um conhecimento sintético a priori. Porque este juízo não está presente ao analisarmos os conceitos dos termos presentes na frase... Ou seja, a afirmação de que “a linha é a menor distância entre dois pontos” não pode ser deduzida das análises, em separado, dos conceitos de linha, ponto e distância. Não há nada nas definições destas três palavras que nos leve a crer que o juízo formulado a partir delas seja verdadeiro, ou seja, o juízo de que “a linha é a menor distância entre dois pontos” não é intrínseco aos 3 conceitos analisados conjuntamente e muito menos fica explicito ao analisarmos esses três conceitos em separado. Os conceitos de linha, ponto e distância já estavam presentes em nossa mente quando formulamos o juízo, portanto, não tinham relação com os sentidos, eram conceitos a priori que, ao serem sintetizados pela razão, formaram um novo conhecimento, um conhecimento sintético a priori, a priori porque não precisamos, recorrer à experiência para deduzir o juízo “a linha é a menor distância entre dois pontos”.

Para que fique ainda mais claro o que seja o conhecimento sintético a priori, que é o  conhecimento tido como o mais completo pelos filósofos, vamos agora definir um conhecimento que se diferencia dele: vamos falar do conhecimento analítico. Para estabelecer essa distinção, o filósofo Emanuel Kant recorreu à noção de juízo. Segundo ele, temos um juízo quando sabemos alguma coisa ou quando temos uma crença de qualquer espécie. O ato mental de formular um juízo é um ato de ligar conceitos que estão reunidos na consciência. Por exemplo: alguém que sabe serem todos os solteiros pessoas não-casadas reuniu, em sua consciência, o conceito de solteiro e o conceito de não-casado (estes conceitos foram ligados de uma maneira que a Lógica chama de universal afirmativa). O juízo segundo o qual todos os solteiros são não-casados é exemplo de um juízo analítico, já que o conceito de não casado é parte intrínseca, é inerente ao conceito de ser solteiro. Aqui, mais uma vez, podemos fazer uma comparação com a Química: nesta ciência fazer uma análise é o ato de isolar de alguma coisa um de seus componentes, ou seja, podemos perceber, por análise, o que  está contido em uma determinada substância, o que é uma propriedade inerente a determinada substância, sem a qual, tal substância não seria ela mesma, seria algo diferente do que é.
Então, seguindo as ideias de Kant, podemos definir dessa forma a diferença entre conhecimento analítico e conhecimento sintético: um juízo é analítico se não for nada mais que a reflexão em torno dos conceitos do juízo e em torno da forma de combinar esses conceitos. Quando o juízo é analítico esta reflexão é o bastante para nos dar a certeza de que o juízo é verdadeiro. Mas em um juízo sintético essa reflexão em torno dos conceitos e de sua forma de combinação é insuficiente para nos dar a certeza de que o juízo é verdadeiro. Para saber da verdade deste juízo é necessário apelarmos para algo mais.

O mesmo raciocínio pode ser feito substituindo-se o conceito de juízo pelo de enunciado. Isso, para evitar o preconceito dos que afirmam que a noção de juízo tem um viés demasiadamente psicológico ou refere-se apenas a um fenômeno mental.  Assim, um enunciado será sintético se a mera compreensão deste enunciado nunca for suficiente para determinarmos sua verdade. Um enunciado  sintético é aquele cuja verdade não pode ser determinada apenas por meio da compreensão deste enunciado. Os exemplos mais bem acabados de verdades analíticas são as verdades lógicas. Então, reparem em duas formas de verdades lógicas, frases que têm as seguintes formas: primeira: “Todos os isto e aquilo são isto e aquilo”. Segunda: “Se alguns assim são tais e tais, então alguns tais e tais serão assim assim”. As duas formas lógicas apresentam verdades incontestáveis. Todo e qualquer conteúdo que possa ser encaixado nessas duas formas lógicas, nos indicará imediatamente algo verdadeiro. Um  exemplo com a primeira forma, ou seja, “Todos os isto e aquilo são isto e aquilo”: “Todos os cães são cães”. Um conteúdo que se encaixe na segunda forma, a forma lógica “se alguns assim são tais e tais, então alguns tais e tais serão assim assim”: a frase “se alguns cães forem criaturas inteligentes, então algumas criaturas inteligentes serão cães”. Não há dúvidas de que os dois enunciados acima são verdadeiros. São verdadeiros simplesmente por causa da maneira como estão arranjadas as palavras lógicas “todos”, “alguns” e “se”. Portanto, são verdades lógicas. Podemos afirmar que todos os enunciados (ou juízos) que têm formas lógicas que fazem com estes enunciados sejam verdadeiros, são enunciados analíticos. Os enunciados analíticos dependem apenas de suas formas lógicas para serem verdadeiros.

Mas, atenção: há enunciados que são analíticos mas não de forma tão óbvia, podem ser analíticos de um modo oculto. Nesse caso, é preciso saber descobrir ou desvelar sua analiticidade, quer dizer, precisamos tornar explícito aquilo que está oculto no enunciado.
Para dar um exemplo, vamos analisar a seguinte frase: “todos os oculistas são médicos da vista”, fazendo de conta que ainda não conhecemos o significado da palavra oculista. Esta frase tem a seguinte forma lógica: “todos os assim assim são tais e tais”, uma forma que, quando aplicada a casos concretos, não garante dá garantia de verdade a todos os casos: por exemplo, sabemos que não é verdadeiro que “todas as estrelas sejam luas”. Portanto, o enunciado “todos os oculistas são médicos da vista” não parece verdadeiro em virtude da forma lógica, quer dizer, aparentemente não é um enunciado (ou juízo) analítico pois sua forma lógica não determina sua verdade.  Mas imagine, agora, que, de um momento para o outro, passamos a perceber que há neste enunciado a intenção de empregar a palavra “oculista” como significando “médico da vista”. Quando descobrimos este significado da palavra oculista, estamos autorizados a dizer que o enunciado original “todos os oculistas são médicos da vista” tem o mesmo sentido do enunciado “todos os médicos da vista são médicos da vista”. Agora sim, temos um enunciado que é verdadeiro simplesmente em virtude de sua forma lógica, pois “todo A é igual a A”. Então, temos a garantia de que o primeiro enunciado é, sim, um enunciado analítico. Isso porque pôde assumir a forma de uma verdade explicitamente lógica graças ao apelo que fizemos a uma definição, neste caso, a definição da palavra oculista. Para que fique mais claro: um enunciado verdadeiro é analítico se, e somente se, for verdadeiro apenas em virtude da sua forma ou se, mediante uso de definições, puder ser tornado equivalente a um enunciado que seja verdadeiro em virtude apenas de sua forma lógica. Um enunciado falso seria analítico se, e somente se, fosse falso apenas por causa de sua forma lógica ou se pudesse, mediante emprego de definições, ser transformado em um enunciado que fosse falso apenas por causa da sua forma lógica. Um enunciado será sintético se, e somente se, não for analítico.

Para Kant, o juízo sintético é o que possui os maiores problemas para a Filosofia. Sua grande vantagem é a de fazer a ligação entre conceitos que não se acham relacionados intrinsecamente, não possuem entre si uma conexão óbvia e conseguem exprimir conjecturas muito importantes a respeito do mundo. Mas, como ter a certeza de que são verdadeiros se a forma lógica que possuem não nos dá esta certeza. Quando um juízo sintético tem caráter empírico, as experiências dos sentidos são capazes de justificar, por exemplo, o juízo de que “nenhum gato voa”.  Já vi gatos e percebi como eles têm corpos e comportamentos diferentes dos pássaros. É esta experiência que obtive por meio dos sentidos que me permite emitir o juízo “nenhum gato voa”.  


Mas e quanto aos juízos sintéticos a priori? Em que podemos nos basear para justificar as suas verdades, já que estes não contam com a experiência sensorial como garantia ou como fonte de justificação? Aqui, está, segundo Kant, a origem dos mais profundos problemas filosóficos. O conhecimento sintético a priori, portanto, não é justificável pala experiência dos sentidos, já que ele é a priori, ou seja, é um conhecimento que obtemos graças a uma operação mental, sem precisar recorrer a nenhum dos nossos sentidos.  Além disso, esse tipo de conhecimento não é justificável pela conexão intrínseca dos conceitos que ele utiliza, quer dizer, os conceitos estão ligados entre si por alguma conexão que está fora destes mesmos conceitos, uma conexão que não faz parte desses conceitos que se ligaram e que, além do mais, não está, necessariamente ou comprovadamente presente no mundo empírico. Esta conexão pode ser considerada o terceiro elemento que é capaz de tonar o enunciado verdadeiro ou de justificar o conhecimento. Para Kant, é de grande importância compreender de que maneira podemos obter o conhecimento sintético a priori. Segundo ele, é na Matemática que estão os melhores e mais claros exemplos de tais conhecimentos. 

CONHECIMENTOS EMPÍRICO E A PRIORI.

Aula 2 - Filosofia da Matemática
Conhecimentos empírico e a priori

Sérgio Augusto Borges

Para que a gente entenda por que a Matemática é filosófica, ou por que a Filosofia se preocupa com a Matemática, é bom saber que, na Matemática, os filósofos se deparam com questões  que sempre foram as mais importantes para a Filosofia como, por exemplo, questões ligadas ao significado,  à verdade, à realidade e ao conhecimento.

Um exemplo para ilustrar o modo como a Filosofia se debruça sobre a Matemática, mais especificamente sobre a Geometria: a Geometria de Euclides, que muitos filósofos consideram a descrição do mundo físico, parte do pressuposto de que o ponto é aquilo que não tem partes. Mas, no mundo real, conhecemos algo que não é composto de partes? Atualmente, a Ciência tenta provar a existência de uma partícula ainda menor que o quark, que existe dentro do próton. Mas haverá um fim para essa busca da comprovação empírica da partícula indivisível? Ou a descoberta de partículas menores que as menores já conhecidas será possível a cada novo avanço tecnológico?

O fato é que a Geometria de Euclides, “imagina” a existência do ponto ou dos pontos indivisíveis que comporiam o mundo físico. Este é um dos seus postulados. Pois é dessa forma, “imaginando” a existência de unidades indivisíveis, que a Geometria é aplicada à realidade. Arquitetos e engenheiros, geralmente, não se preocupam com o pensamento filosófico suscitado pela geometria, satisfazem-se com suas obras que podem ser tanto úteis quanto belas, ou seja, o importante é o fato de a geometria ter-lhes uma utilidade prática.

Mas a Filosofia vai além do postulado de Euclides, pois pode pensar assim: se um ponto não tem extensão, porque não é composto de partes, mesmo um número infinito de pontos não iria compor um volume no espaço. Então, seriam os pontos apenas ideias de nossa mente? Ou seriam coisas reais mas que não podemos observar? Os princípios da Geometria são mesmo verdadeiros? Como adquirimos – se é que adquirimos – conhecimentos geométricos e como é possível que esses conhecimentos sejam aplicados ao mundo sensível?

As controvérsias aumentaram ainda mais com o surgimento das Geometrias não-euclidianas.São Geometrias que também são legítimas do ponto de vista matemático mas que são incompatíveis com as leis da Geometria Euclidiana. Então, se geometrias incompatíveis entre si, são matematicamente legítimas, de que modo podemos conceber a verdade na Matemática? Como é possível que duas leis incompatíveis entre si sejam verdadeiras? Será que os matemáticos  pouco se importam com a noção de Verdade? Neste caso, por que estudar Geometria se pode ser definida como uma preocupação a respeito da verdade acerca do espaço?

Um grande número de questões semelhantes também se apresenta na aritmética, a Matemática dos números. Nesta, procura-se o significado dos termos empregados, pergunta-se se podemos ou não alcançar a verdade e até mesmo se essa parte da Matemática é um caminho para a busca de alguma verdade. Pergunta-se também sobre o tipo de conhecimento que podemos adquirir com a aritmética e quer-se saber se as leis dos números podem mesmo ser aplicadas ao mundo real.

E, na aritmética, pode-se fazer um questionamento forte: o questionamento a respeito da própria existência da Matemática. Em Geometria é possível entender os princípios hipoteticamente, sem que eles tenham que garantir a existência de alguma coisa. Por exemplo: “Se existe uma figura que é um triângulo, então a soma de seus ângulos é igual a dois ângulos retos”. Não existem, na Geometria, leis como “Existe um triângulo”. Na aritmética, a Matemática dos números, por outro lado, há muitas leis que parecem, realmente, garantir a existência de certas coisas; Exemplo: “Existe exatamente um número y tal que o produto de x por y, seja qual for x, é igual a x”. É uma lei que que tenta garantir,  de modo bem claro, a existência de alguma coisa – neste caso, o número um. Portanto, não há aqui um sentido hipotético como na Geometria, há mesmo um sentido de existência.    

Mas, que tipo de existência estaria sendo afirmado pela aritmética? Que espécie de realidade? Seria uma existência em sentido literal, ou seja, a existência de algo que é, de fato, da maneira como é definido? Ou seria uma existência apresentada em sentido figurado, que pretende apenas indicar ou expressar alguma coisa por uma via indireta, por similaridade ou equivalência? Observem que aí estão os problemas da Filosofia da Matemática que apontamos no início deste texto: questões acerca do significado, da verdade, da realidade e do conhecimento. De acordo com o filósofo da Matemática, Sthephen Barker, a maior parte dos matemáticos dá apenas atenção superficial a essas questões fundamentais. A estes matemáticos, o filósofo norte-americano faz um alerta: os problemas filosóficos presentes na Matemática são muito sérios do ponto de vista intelectual e não podem ser deixados de lado. Mesmo quando esses problemas se revelam como erros de interpretação, tais enganos não são de fácil eliminação, ao contrário, são frequentes e importantes. Não podem ser ignorados para que se evitem enganos que serão ainda maiores.



INTRODUÇÃO À FILOSOFIA DA MATEMÁTICA.

Aula 1 – Filosofia da Matemática.

Sérgio Augusto Borges

Para nos apresentar uma abordagem filosófica da Matemática, há estudiosos que começam por uma reflexão acerca do modo como nosso cérebro (ou nossa mente) “funciona” quando voltamos o raciocínio para a resolução das questões matemáticas. Esta abordagem tem muito a ver com as diretrizes da Filosofia Moderna que começou a predominar no século 17 e que tem como duas de suas principais referências os filósofos René Descartes e John Locke.

Você então se pergunta: por que as diretrizes da Filosofia Moderna podem ser associadas a uma abordagem filosófica da Matemática? É que a Filosofia Moderna concentrou suas especulações na Teoria do Conhecimento, que tenta desvendar as formas de o pensamento pensar sobre de si mesmo, ou seja, os filósofos modernos foram aqueles que mais pensaram sobre o pensamento. Logo, se tento elucidar a maneira como a mente “trabalha” ao lidar com as operações matemáticas, estou usando a própria mente para pensar sobre algo que ela mesma faz.

Apesar de esse tipo de reflexão sobre a mente ter se tornado a maior preocupação filosófica a partir da Idade Moderna, ele sempre esteve presente ao longo de toda a história da Filosofia. Desde os filósofos pré-socráticos, o Conhecimento sempre foi pensado a partir de duas diretrizes fundamentais, chamadas de Empirismo e Racionalismo. Para os filósofos empiristas, nosso raciocínio depende de fatos empíricos para comprovar a verdade, quer dizer, a verdade só é comprovada a partir dos dados que obtemos no contato com o mundo físico. O tipo de conhecimento obtido por meio dos sentidos é chamado de conhecimento empírico ou a posteriori.

Já para os filósofos racionalistas, chegamos à verdade apenas por meio de operações mentais, as quais seriam totalmente independentes dos sentidos. Os conhecimentos verdadeiros seriam, então, sempre os conhecimentos a priori. A expressão a priori serve para indicar que nossa mente, ao utilizar certos procedimentos racionais, é capaz de antecipar verdades que estão presentes na realidade. Entenda-se “antecipar”, neste caso, como chegar às verdades antes de qualquer contato sensível que possamos ter as manifestações das verdades no mundo físico.

Estas duas formas de pensar sobre o pensamento verdadeiro (a dos racionalistas e a dos empiristas) também servem de referência para a Filosofia da Matemática, mas isso não quer dizer que os filósofos da matemática concordem plenamente com essa dicotomia. O filósofo da matemática norte-americano, Stephen Barker, por exemplo, considera superadas estas duas formas de pensar o pensamento. Para ele, empirismo e racionalismo têm uma concepção mecânica do funcionamento da mente humana, seriam psicologismos.

Barker nos dá um exemplo que, segundo ele, evidencia o quanto é obscura a diferença entre conhecimentos empíricos (ou a posteriori) e a priori, que é o tipo de conhecimento verdadeiro exigido pelos racionalistas:  Barker nos conta que, para diversos filósofos, a ideia de vermelhidão poderia ser abstraída pela mente depois do contato sensorial de nosso corpo com uma multiplicidade de objeto vermelhos. Não poderíamos, porém, abstrair a ideia de virtude quando contemplamos atitudes que seriam virtuosas. Para Barker, essa forma de pensar baseia-se na “abstração”, uma teoria frágil por não esclarecer ao certo quais conhecimentos podemos e quais não podemos abstrair a partir do que é “dado” na experiência sensorial. Afinal, por que cargas d’água a ideia de vermelhidão poderia ser abstraída do contato visual com os diversos tons de vermelho mas a ideia de virtude não poderia ser abstraída das experiências de virtude que podemos ter ao vivenciar ou observar atitudes virtuosas? 

Por isso, a Filosofia da Matemática deve, primeiro, fazer uma distinção mais precisa entre os conhecimentos empírico e a priori. O conhecimento empírico é aquele que requer justificação da experiência. Portanto, não podemos apenas acreditar ou crer em algo e considerar essa crença um conhecimento. Por exemplo: não posso saber que os corvos são pretos apenas entendendo o significado da frase “os corvos são pretos”. Crenças, mesmo quando verdadeiras, não são conhecimentos se lhe faltam justificações. Preciso, portanto, possuir evidências empíricas para afirmar que algo é verdadeiro, ou seja, preciso ter visto inúmeros corvos ou penas deles ou ouvido alguém falar sobre eles para afirmar que corvos são, de fato, pretos. O conhecimento empírico, portanto tem sua justificação em dados empíricos, dados que são captados por nossos sentidos. Se não tenho nenhuma evidência observacional sobre os corvos, é falso dizer que sei que eles são pretos.

A influência da experiência é diversa em outros tipos de conhecimento. O conhecimento de que “os corvos são aves”, por exemplo, é entendido pelos filósofos como sendo a priori. Isso porque ninguém precisa ter examinado corvos de forma direta ou indireta para dizer que sabe que eles são aves, assim como não é preciso ter feito experimentos físicos para saber que moléculas de hidrogênio são moléculas ou que haverá tempestade amanhã, se vier um tufão. São casos em que a única experiência necessária é aquela que habilita uma pessoa a entender as palavras em que o conhecimento se exprime. Se entendo o significado da palavra corvo, sei que, inerente a ele, está o conceito de ave, quer dizer, um corvo, necessariamente, é uma ave e não um réptil ou mamífero.  Em resumo, conhecimento a priori é aquele que não precisa ser justificado pela experiência.

Para tornarmos mais precisas as distinções entre conhecimento empírico e conhecimento a priori, vamos agora apresentar a distinção entre dois tipos de raciocínio: o raciocínio dedutivo e o raciocínio indutivo. O dedutivo relaciona-se mais ao conhecimento a priori, vejamos por quê. Na dedução, pode-se saber a priori que, não havendo erro lógico e desde que as premissas sejam verdadeiras, a conclusão também terá de ser verdadeira. Vejamos o exemplo de uma forma lógica que faz com que seja válido um argumento dedutivo:

“Todo   $$$   é    ///; Nenhum    ***    é    ///; Logo, nenhum    ***    é    $$$.

Pode-se saber, a priori, que, sendo verdadeiras as duas primeiras frases, ou seja, as premissas, a conclusão terá de ser verdadeira. O argumento é válido por causa de sua forma lógica, mas sabemos que tais fórmulas não são condição suficiente para que todas as conclusões sejam verdadeiras ou plausíveis. Seria a fórmula lógica do exemplo acima e outras consideradas tão verdadeiras como ela, inerentes ao nosso raciocínio? Seriam formas “impressas” em nossa mente e, por isso mesmo, formas a priori de conhecimento? Ou seriam apenas algumas formas possíveis de se raciocinar, adotadas por nós, humanos, apenas por terem, ao longo de milhares de anos, dado prova de eficiência a favor de uma nossa melhor adaptação ao mundo em que vivemos? Haveriam outros mundos onde as mesmas formas lógicas não funcionariam tão bem e teríamos que nos utilizar de outras que mais nos conviessem?

A reflexão acima especula sobre a possibilidade de o raciocínio dedutivo, relacionado ao conhecimento a priori, não ser assim tão independente e distante da realidade concreta do mundo físico que nos rodeia com suas qualidades sensoriais específicas as quais, tradicionalmente, são apenas relacionadas ao conhecimento empírico.

O raciocínio indutivo, por sua vez, sempre associado ao conhecimento empírico, também abre margem para conclusões não totalmente justificadas pelos sentidos.  A conclusão obtida sempre expressa uma conjectura empírica muito mais ampla do que a que é expressa pelos dados. Não se pode, portanto, saber, a priori, que a conclusão terá de ser verdadeira se os dados forem verdadeiros. Um exemplo: imagine que eu tenha observado muitos corvos, constatando que todos eram pretos. Posso, então, raciocinando indutivamente dizer que muito provavelmente todos os corvos são pretos. A verdade dos meus dados não constitui garantia a priori para a conclusão de que todos os corvos devam ser pretos, sejam aqueles hoje vivos, os que já nasceram e morreram e os que estão por nascer no futuro. Na melhor das hipóteses, o que se pode é dizer que os dados apoiam e confirmam a conclusão, sem garantir a sua verdade. Assim, posso dizer que o raciocínio indutivo tem um quê de dedução, uma vez que deduz uma verdade mesmo sendo impossível a verificação empírica de todos os corvos em qualquer tempo e lugar.

Feito este esclarecimento sobre conhecimentos empíricos e a priori podemos, então, partir para uma importante questão filosófica pertinente à Matemática: seria esta ciência uma semelhante à Física, cujos conhecimentos baseiam-se em dados obtidos por meio da experiência que temos do mundo físico? Ou seria como a Lógica, preocupada em verificar a validade das regras que organizam o pensamento para melhor relacionar o pensamento com a realidade?  A conclusão a que parece chegar o filósofo Stephen Francis Barker é a de que, partindo das tradicionais concepções de conhecimento a priori e empírico, não fica afastada a possibilidade de existirem conhecimentos empíricos que não sejam exclusivamente traduzíveis em termos de conceitos empíricos, assim como não fica afastada a possibilidade de existirem conhecimentos a priori que não sejam exclusivamente traduzíveis em termos de conceitos a priori.  A Matemática seria, então, uma ciência que estaria em uma região de fronteira entre estas duas formas de conhecimento: manteria relações com a realidade empírica mesmo sem utilizar-se de dados empíricos obtidos em nossa relação imediata com o mundo, ao mesmo tempo em que extrai de dados empíricos deduções que não poderiam ser de todo comprovadas por se referirem não só a objetos existentes, mas também aos que já existiram ou ainda existirão.