sexta-feira, 13 de setembro de 2013

DAVID HUME

O "Ensaio sobre o entendimento humano", de David Hume, e a Teoria do Conhecimento. 

Seção 2 - Da origem das ideias.

Para David Hume, na quase totalidade dos casos, o conhecimento é adquirido por meio da experiência. O filósofo defende esta tese afirmando que os sentidos nos fornecem todo o material com que, depois, formamos nossas ideias e que, portanto, não há ideias que não provenham de experiências vividas à luz dos sentidos, com os sentidos. Hume hierarquiza as formas de percepção da mente dividindo-as em duas classes: as de maior vivacidade que atuam sempre que ouvimos, vemos, sentimos, amamos, odiamos, desejamos ou exercemos nossas vontades e as que apenas representam as primeiras e são menos fortes ou vivazes, às quais chamamos pensamentos ou ideias. Estas últimas nunca atingem uma intensidade de vivência perceptiva como as primeiras pois são apenas um reflexo dos sentimentos ou sensações originais vividos por meio dos sentidos. 

Assim, para Hume, a lembrança de todas as emoções vividas intensamente durante um jantar a dois, por exemplo, nunca terá a mesma força ou vivacidade que a experiência vivida de fato; a recordação do grito histórico que fez eclodir uma revolução ou foi a senha para a proclamação da independência de um país, jamais terá a mesma carga de sensações do momento de fato em que o gesto ocorreu.  O filósofo sustenta que a força da experiência vivida é anterior e está na origem do grande poder criador da mente. Se esta é capaz de operar com as ideias de modo a compô-las, transpô-las, aumentá-las ou diminuí-las é porque o faz com o material fornecido, de antemão, pelos sentidos e pela experiência. Podemos, perfeitamente, compor a imagem de um homem com asas a voar sobre a cidade ou a de uma criatura que seja metade cavalo, metade ser humano. Em ambos os casos, os materiais do pensamento foram derivados da sensação e à mente ou à vontade coube apenas misturar e compor esses materiais. Resumidamente, as impressões (percepções mais vívidas) dão origem às nossas ideias (percepções mais tênues), cópias das primeiras.
 A ideia de Deus, para Hume, também não escapa desta teoria uma vez que esta ideia seria advinda de uma operação reflexiva de nossa própria mente que aumenta de forma ilimitada as qualidades de bondade, inteligência e sabedoria e as atribui a um Ser supremo. A operação mental que nos faz imaginar Deus, portanto, parte de atributos encontrados e vivenciados entre os próprios seres humanos. Os argumentos de Hume vão no sentido de que não existem pensamentos ou ideias a priori, ou seja, pensamentos que prescindem de qualquer relação com experiências vividas. Há, porém, um fenômeno que pode provar que nem todas as ideias provêm das experiências vividas por meio dos sentidos. É o caso, por exemplo, de um homem que, até uma certa idade de sua vida, nunca tivesse se deparado com um determinado tom de cor e fosse, um dia, apresentado a uma escala cromática com os vários tons mais fortes e mais suaves dessa mesma cor que ele nunca antes vira. Há de se supor que, por comparação, o homem conseguiria perceber qual o tom estaria faltando para completar a escala cromática. Seria uma forma de ter uma determinada ideia sem antes ter tido a experiência real, por meio dos sentidos, do objeto capaz de provocar essa ideia.

Seção 4 - Dúvidas céticas sobre as operações do entendimento.

No que diz respeito aos objetos da razão ou investigação humanas, David Hume sustenta a divisão destes em dois tipos: relações de ideias e questões de fato. No primeiro caso, incluem-se as ciências da geometria, álgebra e aritmética, além de toda  e qualquer outra afirmação intuitiva que contenha a principal característica destas ciências, qual seja, a de ser demonstrativamente certa. Quando afirmamos que “o quadrado da hipotenusa é igual à soma dos quadrados dos catetos”, expressamos uma relação precisa entre essas grandezas. Ao defendermos que “três vezes dez é a metade de sessenta”, afirmamos uma relação entre esses números. As proposições que emitem relações de ideias podem ser descobertas pela simples operação do pensamento, independentemente do que possa existir em qualquer parte do universo. Quando se trata de uma questão de fato, a evidência de sua verdade não é da mesma natureza que a das relações de ideias. Isso porque o contrário de toda questão de fato permanece sendo possível, não implicará em qualquer contradição. É por isso que se dissermos que “o sol não nascerá amanhã” não emitiremos uma proposição menos inteligível que a proposição “o sol nascerá amanhã”.
 Nas questões de fato, somente por meio da relação de causa e efeito podemos ir além da evidência de nossa memória e de nossos sentidos. Assim, quando temos a percepção do fato, podemos deduzir a causa deste por meio da imaginação e com ou sem a presença de uma evidência comprobatória, que seria como que uma suposta representante do fato. Se pedíssemos para alguém demonstrar o motivo de sua crença de que seu pai está nos Estados Unidos, esse alguém poderia nos mostrar uma carta de seu pai enviada dos Estados Unidos. Por isso, David Hume afirma que, nas questões de fato, há uma conexão entre o fato presente e o fato que dele se infere. Calor e luz são efeitos colaterais do fogo, e um dos efeitos pode ser legitimamente inferido do outro. Para o filósofo inglês, o conhecimento dessa relação em nenhum caso é atingido graças a raciocínios a priori, mas advém, isto sim, inteiramente da experiência. Para Hume, as qualidades dos objetos que aparecem aos sentidos jamais revelam as causas que o produziram e os efeitos que são capazes de produzir. Sem auxílio da experiência, nossa razão não é capaz de chegar a qualquer conclusão que se refira à existência efetiva de coisas ou questões de fato. 
 No caso de acontecimentos cotidianos que nos são conhecidos desde que viemos ao mundo, esta mesma verdade acerca das questões de fato pode não parecer evidente à primeira vista. Nestes casos, temos a tendência de pensar que poderíamos tê-los deduzidos pura e simplesmente por meio da razão, sem contar com a experiência. Seria como imaginar que, ao chegarmos a este mundo, já tivéssemos a noção de que a água, ao nos transmitir, pelo sentido da visão, apenas a qualidade de sua transparência, pudesse também nos fazer notar que ela é capaz de nos sufocar. É por isso que, para David Hume, é preciso sempre separar claramente os fatos de suas consequências. A postura cética alerta para a possibilidade de um efeito qualquer ligado a um determinado fato pode não se repetir indefinidamente por mais vezes que já tenha ocorrido ao longo da história. A crença de que um determinado acontecimento, pelo fato de ter se repetido várias vezes, vai continuar a ocorrer para sempre reproduzindo a mesma relação de causa e efeito deve ser considerada um hábito contra o qual devemos lutar pois, para Hume, o hábito além de encobrir nossa ignorância chega a ocultar-se a si próprio, parecendo não estar presente porque existe no mais alto grau. 








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