1) A) Em quais acepções se pode empregar a expressão “Filosofia da
Linguagem”? B) O que vem a ser Filosofia Analítica? C) Caracterize as
diferentes propostas de Wittgenstein, enfatize o papel dos jogos de linguagem.
A
definição de filosofia analítica pode ser feita por meio de uma comparação de
seus objetivos com os da filosofia considerada tradicional até o fim do século
XIX. Neste sentido, o que distingue a primeira da segunda não são os temas
principais sobre os quais elas se debruçam já que, para os filósofos
analíticos, estes continuam sendo os
conceitos que constituem as expressões filosóficas, como os conceitos de
conhecimento, verdade, existência, liberdade, o bem, etc. O que a filosofia
analítica traz de novo é que, em vez de especular sobre o ser mesmo destes
conceitos, em vez de tentar descobrir o que é o ser de tais expressões,
contenta-se em investigar o significado das mesmas. A diferenciação das duas
propostas sinaliza, portanto, mais uma importante mudança de perspectiva filosófica
do que, propriamente, uma ruptura com a tradição ora em vigor. Para os
analíticos, os conceitos das palavras-chave para a filosofia são encontrados
nas maneiras como as usamos, portanto, nos significados que elas têm. Por isso,
utilizam-se de técnicas analíticas para fazer com que tais conceitos atinjam o
máximo de clareza e evidência possível.
Para
Wittgentein, a abordagem analítica é a forma mais segura de impedir a confusão
entre o que pertence à lógica e o que é empírico ou factual. O filósofo
austríaco acusou a metafísica de fazer esta confusão pois, segundo ele, tomava
o que é abstrato como se fosse concreto. Este erro categorial pode ser
exemplificado com a ambigüidade presente na definição da palavra coisa que a filosofia tradicional
utiliza para designar objetos. É uma palavra que pode referir-se tanto a coisas
abstratas e gerais quanto a coisas materiais, objetos das ciências e não da
filosofia. A elucidação conceitual é necessária para adquirirmos consciência da
função dos conceitos já que temos uma imensa dificuldade de tornar consciente o
conhecimento intuitivo ou implícito do que as palavras querem dizer.
Ao desvendar
os significados dos conceitos filosóficos, a filosofia analítica também
pretende distinguir os usos desses conceitos e relacioná-los entre si. Assim, o
processo analítico tem como matéria-prima o sentido das noções mais abstratas e
gerais de nossa linguagem, o qual decompõe, divide em partes, para que sua
estrutura se torne mais clara. É preciso saber, por exemplo, o significado de
conceitos ou palavras-chave para a filosofia, como opinião, por exemplo; saber como
a usamos e como seu uso (ou significado) se diferencia do significado de outro
conceito também fundamental como o conceito de conhecimento. As análises dos
conceitos e de suas relações servem para esclarecer as conexões lógicas que
eles mantém entre si. De acordo com Wittgenstein, estes conceitos que servem de
tema para a Filosofia, que constituem a expressão filosófica mais fundamental,
são interdependentes e entrelaçam-se formando expressões linguísticas que
constituem o nosso entendimento como um todo. Ao explicitar essas conexões e
entrelaçamentos, a filosofia é capaz de nos oferecer um ponto de vista
panorâmico em relação às coisas que vemos, pois nos revela o sistema conceitual
unificador de nossa experiência. Num sentido mais amplo, pode ser considerada
filosofia analítica toda tarefa que consiste na descrição da estrutura ou da gramática
lógica de nossos conceitos, tarefa também
chamada de esclarecimento conceitual. No Tractatus, por exemplo, conceitos abstratos como os de mundo, ser o caso, fato, existência e estados de coisas, são clarificados explicitando-se as conexões
lógicas que mantém entre si.
A filosofia
analítica subdivide-se em duas vertentes metodológicas: a filosofia da
linguagem ideal e a filosofia da linguagem ordinária. Gottlob Frege, no final
do século XIX, foi o primeiro filósofo a propor uma solução para o que considerava
as confusões das formas gramaticais de nossa linguagem natural que encobriria a
verdadeira estrutura lógica de nossa linguagem. Inspirada pelas ciências exatas,
essa vertente filosófica defendia uma linguagem que fosse precisa, sem
dubiedades e buscou analisar a interdependência dos conceitos por meio da linguagem da lógica matemática ou
simbólica. O método da filosofia da
linguagem ideal foi adotado mais tarde por Bertrand Russel, Wittgenstein,
Carnap e Quine. A intenção era recorrer a tecnicismos lógico-matemáticos para substituir
frases de nossa linguagem natural por outras que estivessem em maior acordo com
a estrutura lógica presente em nossas expressões. Para os filósofos da linguagem ideal,
conceitos genéricos e imprecisos da linguagem ordinária, não são capazes de
esclarecer o pensamento subjacente à frase, quase sempre porque não correspondem
a evidências empíricas. Assim, a frase, “O
frango médio engorda 30 gramas por semana” deve ser parafraseada por “A soma do número de gramas ganhos por cada
um dos frangos em uma semana, dividida pelo número total de frangos, resulta em
uma média de 30 gramas”. A segunda frase torna claro o pensamento que era
ocultado pelo sentido vago da expressão “frango
médio”, contida na primeira frase, que nos remete a algo intangível e não a
uma realidade concreta. Na paráfrase, o sujeito gramatical “frango médio” é eliminado em favor de uma referência direta aos
frangos mesmos, de carne e osso.
O
filósofo inglês, G. E. Moore foi quem iniciou a segunda vertente da filosofia
analítica, a “filosofia da linguagem ordinária”, desenvolvida por Wittgenstein, a partir dos anos 30 do século XX,
e pelos filósofos de Oxford: Ryle, Austin e Strawson. Para eles, a filosofia
não deve fazer com que nossas expressões se enquadrem à metafísica como a um
leito de Procusto utilizando a lógica
matemática para forçar adaptações a formas tidas como precisas. Para
Wittgenstein, os métodos formais da lógica cegam os filósofos para o único uso
da linguagem que nos faz sentido, o uso das expressões no cotidiano da vida
humana. Para ele, são os modos de uso
cotidianos que devem ser esclarecidos pela filosofia pois neles estão os verdadeiros
significados por serem concretos.
Wittgenstein
foi um filósofo muito importante tanto na primeira quanto na segunda vertente
da filosofia analítica. Sob a influência de Frege e Russel, o jovem
Wittgenstein adotou o logicismo filosófico como método para responder às
questões mais prementes entre os analíticos no final do século XIX, questões
ligadas às possibilidades e limites que temos de compreender o universo por
meio da linguagem. No Tractatus Logicus
Philosophicus, publicado após a Primeira Guerra Mundial, Wittgenstein
apresenta a teoria pictorial da frase, uma demonstração de como a linguagem é
capaz de espelhar a realidade. Essa teoria defende que os elementos da
realidade a serem representados não precisam ter uma aparência sensível
semelhante à sua figuração, o importante é que haja um isomorfismo estrutural
entre ambos. O que garante essa correspondência estrutural é a presença de
regras ou convenções que atrelam os elementos da figuração aos do mundo real e
mantém entre os elementos da figuração conexões ao menos análogas às conexões
entre os elementos dos fatos ou estados de coisas possíveis no mundo real. De
acordo com o Tractatus, as frases da linguagem natural são formadas por frases
elementares que se combinam para servirem de modelos da realidade. Já as frases
elementares são formadas por nomes de objetos simples. Quando estas frases são
verdadeiras, as combinações de nomes que as formam são análogas às combinações
de objetos da realidade. Para Wittgenstein, tais objetos são indivisíveis,
imutáveis, rígidos e, por isso mesmo, a substância para a construção do mundo.
Em 1929,
descontente com a teoria em que se baseou para escrever o Tractatus por considerá-la distante dos modos como a linguagem, de
fato, funciona, Wittgenstein partiu para uma forma que considerou mais
abrangente de conceber seu objeto de estudo. Percebeu que a linguagem, em seu
uso, pode ser vista de muitas maneiras e que encontrar uma unidade geral, além
de improvável, é inútil. Dentro dessa perspectiva, o filósofo encontrou uma
nova concepção de significado. Para ele, as frases só têm sentido graças ao
princípio da verificabilidade, ou seja, só quando podemos conhecer os modos
pelos quais elas podem ser ou não provadas verdadeiras. É uma noção de
significado que expõe os limites de significação da linguagem factual pois exclui
de sentido ou considera como falsas frases que não temos como verificar
empiricamente. Este é o caso de frases religiosas como “O vinho se transforma
no sangue de Cristo durante a Eucaristia”. Já uma asserção factual como “A
chave está sobre o armário” tem sentido porque é possível conhecer os modos
pelos quais ela pode ser provada verdadeira. Suas conexões sintáticas e
semânticas têm a capacidade de nos representar uma estrutura factível, quer
dizer, têm a possibilidade de “tocar” a realidade, de representar
estruturalmente um fato com possibilidades reais de se dar no mundo concreto. A
frase será verdadeira se, de fato, a chave estiver sobre o armário e será falsa
se isso não se der. O princípio da verificabilidade, portanto, está de acordo
com a concepção de verdade por correspondência proposta no Tractatus, concepção segundo a qual uma proposição é verdadeira se
possui uma estrutura que corresponde, estruturalmente, a um fato que se
afigura.
Para
Wittgenstein, o verificacionismo não é suficiente para dar conta de uma
definição de significado. Decidiu, então, dar ênfase a uma outra concepção
chamada por ele de jogos de linguagem que afirma que o significado de uma frase
ou de uma palavra é a maneira como estas são usadas na prática da linguagem. O
filósofo compara a linguagem com uma caixa de ferramentas. Estas podem possuir
formas semelhantes mas têm funções bem diferentes e só irão adquirir significado se soubermos
como usar cada uma delas que possui não só uma, mas diversas formas de uso que
podem ser aplicadas às mais diversas situações. Por isso, para Wittgenstein, é
no fluxo da vida que os significados das expressões são determinados. O signo
puro, isolado, sem uso, é um signo morto. O jogo de linguagem dá sentido às
expressões porque faz parte de uma forma de vida, sendo praticado dentro do
contexto social dos falantes de uma língua. O uso das expressões, portanto, não
é arbitrário, é condicionado pelas regras gramaticais e também pelas situações
de uso que fazem parte do cotidiano com suas regras sociais e culturais. Um
exemplo dado por Wittgenstein é o do pedreiro que profere as palavras “tijolo”,
“cimento”, “areia” e “pedra” e seu
ajudante, imediatamente, começa a trazer tudo o que foi pedido à construção.
Com este exemplo, o filósofo quer dizer que não só os falantes e as palavras
pertencem ao jogo mas também os objetos e outros elementos que fazem parte do
contexto. O modo de uso de uma expressão é fixado pelo jogo de linguagem que
possui regras pertencentes a um modo de vida e que, dentro de tais regras,
permite que as expressões sejam relacionadas aos contextos em que são
proferidas. Portanto, o modo específico da aplicação de uma expressão é o que
gera seu significado.
2) A) Em que consiste o Giro Linguístico da
Filosofia Contemporânea? B) Quais as principais proposições que contribuíram
para a consolidação da “Virada linguístico pragmática”, de Frege, Russel,
Wittgenstein e Austin?
O chamado Giro Linguístico da Filosofia tem como
causa principal a insatisfação de filósofos, no final do século XIX, com os
desdobramentos da filosofia do sujeito, iniciada por Descartes. As ideias
cartesianas e de seu contemporâneo Thomas Hobbes, foram questionadas porque
tinham como fundamento a primazia do sujeito que seria a base indubitável para
a construção de qualquer conhecimento. Para os filósofos da linguagem, a certeza
cartesiana não explicava satisfatoriamente a questão da existência de outras
mentes e das formas de interação entre elas, interação que a nova filosofia
considerou inquestionável por ocorrer de fato. O filósofo alemão Gotlob Frege
foi quem primeiro percebeu que a melhor maneira de colocar em xeque a filosofia
do sujeito seria apontar as fraquezas da concepção que esta tinha da linguagem.
Para os cartesianos, a linguagem com que nos comunicamos não passaria da
manifestação pública da linguagem individual criada pelo sujeito para demarcar
situações interiores que se repetem no
decorrer do fluxo da consciência. Nesta visão, a comunicação humana não
passaria de um acidente, mero efeito secundário da linguagem cuja função primordial
seria dar sentido ao mundo privado do sujeito. Para Frege, este pensamento não
deixava a contento questionamentos sobre a comunicação humana por não explicar
como linguagem a privada do sujeito poderia ser utilizada para compartilhar
significados no processo de comunicação.
O giro
linguístico, portanto, foi a maneira de fazer filosofia que retirou a
centralidade do sujeito como perspectiva de conhecimento do mundo. As
discussões e teorias sobre a linguagem procuraram demonstrar como os
pensamentos são construídos e compartilhados
publicamente e atestam que podemos ter acesso a esse processo se
tivermos clareza sobre como a linguagem funciona. Para Frege, a compreensão da
linguagem se dá, principalmente, pelo esclarecimento das noções de “sentido” –
que se refere ao significado - e “referência” – que quer dizer a coisa que um
nome designa - como seus componentes principais. Segundo o filósofo, o sentido
de uma frase é o que é modificado mesmo quando a referência permanece a mesma. É o que
ocorre, por exemplo, quando a frase “A estrela da manhã é Vênus”, é modificada
para “A estrela da tarde é Vênus”. Neste caso, apesar da troca de nomes – “A
estrela da manhã” por “A estrela da tarde” – a referência – a estrela Vênus –
continua sendo a mesma, o que muda é a forma de se mostrar do mesmo objeto, ou
seja, o sentido da frase se modifica para continua a fazer referência a Vênus.
Já a referência de uma frase é considerada a circunstância de a frase ser
verdadeira ou falsa. Isso explica porque a linguagem é lógica e estruturalmente
capaz de construir frases que podem, perfeitamente, representar o possível mas
não necessariamente existente no mundo real. Sendo assim, a referência de uma
frase é seu valor de verdade, a conclusão a que chegamos a respeito do fato
descrito definindo ser este verdadeiro ou falso.
A
contribuição mais importante de Bertrand Russel para a filosofia da linguagem
foi a criação da teoria das descrições que o levou a uma concepção metafísica
da relação entre linguagem e mundo chamada por ele de atomismo lógico. Tal relação prescindia da noção de sentido
defendida por Frege para a definição de significado. O significado de um nome é
considerado aquilo a que ele se refere, aquilo que se dá à percepção à qual
damos este nome. Por exemplo: o significado da palavra vermelho está nas
pétalas de uma rosa que afetam minha visão produzindo a sensação do que
chamamos de vermelho. Os verdadeiros nomes, portanto, têm significado porque
apontam para objetos com os quais temos familiaridade direta. Segundo o
atomismo lógico, as sentenças de nossa linguagem são compostas por signos
atômicos que dizem respeito aos elementos mais simples da realidade os quais
conhecemos por familiaridade, ou seja, pela sensação que as coisas despertam
imediatamente em nossos órgãos do sentido, dados sensíveis como cores, formas,
odores, etc. A identificação dos elementos atômicos, para Russel, é o que torna
possível alcançarmos toda forma de conhecimento. Para o filósofo que seguiu os
passos da tradição empirista inglesa, um exemplo de designação de um fato
atômico é o que se dá com a sentença “Isto é branco”.
Ludwig Wittgenstein
defendeu a teoria pictorial da frase a qual afirma que existe um isomorfismo
estrutural entre a linguagem e os elementos da realidade. Para ele, a linguagem
e o mundo possuem regras e convenções estruturalmente semelhantes que tornam
possível a correspondência entre ambos. Tal correspondência parte de elementos
simples, como na proposta atomista de Russel. Em 1929, o filósofo fez severas
críticas à sua teoria anterior e propôs uma nova teoria da linguagem tendo como
pressuposto mais importante uma outra definição para o significado das
expressões. Em tal definição, Wittgenstein enfatizou a importância do que
chamou de jogos de linguagem, segundo o qual é o uso que determina o
significado das palavras. As regras que determinam o significado são não apenas
gramaticais mas também as de convivência social estabelecidas pela forma de
vida de uma comunidade de falantes da língua. A expressões, portanto, ganham
significados relacionados aos diversos contextos de fala podendo uma mesma
expressão adquirir diferentes sentidos quando relacionada a diferentes
contextos.
O filósofo
inglês J. L. Austin (1911-1960) deu continuidade à teoria de Wittgenstein que
considerou a ação como sendo primordial para a definição dos significados. Essa
elaboração deu origem à teoria dos atos de fala que tem como uma de suas
premissas mais importantes a de que a comunicação é a função primordial da
linguagem. Por conta disso, Austin desenvolve sua teoria por meio da análise
dos proferimentos: atos de emissão de frases em situações concretas dirigidos a
ouvintes pelos falantes. Segundo Austin,
quando dizemos algo que é compreendido por um ou mais interlocutores realizamos
três atos distintos: 1)um ato
locucionário – que é o de dizer uma sentença com sentido; 2)um ato ilocucionário – que realizamos “ao”dizer
algo: por exemplo quando dizemos a frase “Voltarei amanhã” que, além sabermos
interpretar por perceber na frase um sentido fonético e gramatical podemos
interpretar também seu sentido implícito que pode ser uma ameaça ou uma
promessa conforme a situação que se apresenta no contexto; 3) um ato perlocucionário – que constitui no
efeito do que dizemos sobre os sentimentos, pensamentos ou ações das outras
pessoas.
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