domingo, 16 de dezembro de 2012

FILOSOFIA, METAFÍSICA E CIÊNCIA + FENOMENOLOGIA.

1) De que formas Metafísica e Ciência se aliam e se contrapõem al longo da história do Mundo Ocidental? Por que o Projeto de Modernidade é pós-metafísico? Qual a diferença entre Metafísica e Ontologia? Por que é menos arriscado falar em Ontologia?
                                                                       


Desde o início da Filosofia, entre os séculos VI e V a.C., o exercício do pensamento racional livre de crenças enraizadas em superstições, nos mitos e no dogmatismo religioso, sempre enfrentou sérias dificuldades para se impor num mundo onde as relações de poder se fundamentavam justamente sobre estas bases tradicionais da cultura. Esta realidade fez com que Filosofia e Ciência, durante 20 séculos, fossem parceiras em um mesmo campo de soberania do espírito onde o intelecto pôde expandir as fronteiras do livre pensar. Entre os chamados filósofos pré-socráticos, por exemplo, a própria concepção de metafísica apoiava-se na observação dos fenômenos físicos, o qual tenta ultrapassar. O metafísico sente-se tão seguro quanto à existência de uma realidade extra-sensível, cujo conhecimento seria possível por meio da razão, que não vê problemas na expansão das ciências, tomando seus resultados como meras expressões das leis universais e necessárias  já previstas pela Filosofia, cabendo à ciência apenas constatá-las. Estabeleceu-se, assim, uma espécie de tutela da metafísica sobre o científico, relação em que tutor e tutelado sentiam-se amparados um pelo outro.
A partir do século XVI, as descobertas científicas começam a impor derrotas estrondosas à metafísica. Os pensamentos astrológicos de Aristóteles e de São Tomás de Aquino, por exemplo, desabam sob as sólidas demonstrações físicas e matemáticas de Galileu e de Newton. Avanços também importantes na química e na biologia tornam ainda mais patentes o quanto o experimento científico com seus resultados práticos independem de uma concepção a priori e totalizante da realidade, concepção esta que passa a ser tida como uma camisa de força a limitar o movimento das pesquisas. No século XVIII, já em meio aos escombros do castelo metafísico, posto abaixo por inúmeras mostras de independênca da Ciência, o esforço filosófico de Kant pode ser visto como uma das últimas tentativas de restabelecer o primado da Filosofia no campo do conhecimento. A doutrina do filósofo prussiano reduzia enormemente as ambições da metafísica ao reconhecer nossa incapacidade de saber como as coisas são em si mesmas, independentemente de nossas próprias características humanas. Ao colocar em questão nossa forma de atingir conhecimentos verdadeiros, Kant restringe a metafísica a uma teoria do conhecimento que busca a realidade posta pela objetividade estabelecida a priori pela razão ou pelo sujeito transcendental.  Para ele, nunca saberemos o que é e como é a realidade separada e independente de nós, apenas conhecemos a realidade tal como ela é captada por nosso principal instrumento de inteligibilidade, qual seja, a razão. A razão, segundo Kant, seria idêntica em todos os seres humanos, independentemente do lugar e da época em que vivemos, é um instrumento que nos é dado a priori e que estrutura as ideias produzidas pelo sujeito.
A Ciência vitoriosa, orgulhosa de suas inovações capazes de modificar a natureza e interferir no cotidiano dos homens, passou a reivindicar o posto supremo na condução do saber. Desenvolveram-se, então, teorias como a dos positivistas que pretendiam impor o rigor do método a todo e qualquer objeto de estudo. Assim,  fatos psicológicos, históricos ou sociais passam por um processo reducionista que os transformam em coisas ou  realidades materiais. Os que fizeram parte desta corrente filosófica, como Renan, Comte e Berthelot, chegam mesmo a acreditar que a Ciência seria a fonte de todos os valores necessários à humanidade. Somente os positivistas contemporâneos compreenderam que suas ideias incorriam no mesmo dogma metafísico, pois consideravam a Ciência um ente absoluto, totalizador da realidade. Essa compreensão deu-se apenas depois das crises econômicas e sociais que começaram no século XIX e chegaram ao século XX sob a forma de duas grandes guerras mundiais.
Uma perspectiva filosófica alternativa ao dogma científico foi elaborada no início so século XX por Edmund Husserl, criador da fenomenologia. Ao atribuir à consciência, instituída de intencionalidade, um papel preponderante na estruturação da realidade, Husserl valorizou a capacidade humana de criar sentidos próprios para tudo o que nos cerca. Seus seguidores, Martin Heidegger e Merleau-Ponty, dedicaram-se a alargar ainda mais a distância entre a Filosofia e a metafísica tradicional, defensora da busca pela verdade de uma realidade que existiria em si mesma, separada do sujeito do conhecimento. A nova ontologia proposta pelos dois filósofos parte do pressuposto de que a realidade deve ser precebida sob a perspectiva de nossa presença no mundo material, natural, ideal e cultural. Para eles, o mundo não pode ser reduzido pelas ciências a um conjunto de coisas e fatos, o mundo não é constituído apenas por uma série de fatos apreendidos racionalmente e cientificamente. O mundo é também o lugar onde vivemos com outros semelhantes a nós, em meio à pluradidade de coisas e fenômenos físicos, sociais e afetivos. Comparada à metafísica, a nova ontologia guarda uma espécie de comedimento em relação às nossas pretensões de conhecer a verdade, ao mesmo tempo em que nos abre perspectivas valorativas de nossa capacidade de criação de sentidos e significados humanos, fundamentais para o conhecimento de nós próprios e para o nosso estar-no-mundo.

2)Explique como e por que o homem só é homem se for livre. Como a fenomenologia existencial compreende a liberdade? Quais seus principais argumentos?
Para afirmar o homem como ser livre, a fenomenologia sustenta ser inerente a nós uma subjetividade que nos eleva acima do simples fato de estarmos no mundo. Existimos não como uma coisa que, às cegas, é submetida a processos e forças que a fazem um mero resultado advindo de uma sequência de fenômenos. Nossa subjetividade é nossa consciência de estarmos no mundo, é o que nos torna capazes de perceber nossa própria existência e a existência das coisas que nos cercam. Assim, podemos nos tornar sujeitos dinâmicos e atuantes na realidade que se nos afigura, como quando se diz: "estar trabalhando", "estar passeando" ou "um ser-que-trabalha", "um ser-que-passeia". O fato de não estarmos apenas submetidos a processos e forças quer dizer que temos uma certa "ausência de determinação", o que exprime  um dos sentidos da palavra liberdade. Se não somos totalmente determinados e temos consciência de nossa consciência, podemos assumir alguma autonomia sobre nossa própria existência, autonomia que se configura como o sentido positivo da palavra liberdade. A liberdade inerente a nós faz com que sejamos um nosso próprio projeto, ou seja, em vista do que é possível, temos a chance de fazer escolhas e de nos alçar para além da situação que nos foi dada como determinante. Ter nascido no Brasil, na Palestina ou na Síria, ser calvo, anão ou portador de alguma doença hereditária, são fatos que não se mudam mas, mesmo diante deles, temos possibilidades de atuar para nos definirmos como sujeitos com inúmeras outras qualidades que nos fazem ser mais que as determinações iniciais. Mesmo a recusa de fazer algo para superar as próprias determinações leva à realização de um projeto humano pois o homem se realiza ainda que como preguiçoso ou alienado. É nesta perspectiva que o filósofo Jean Paul Sartre declarou que “o homem está condenado a ser livre”.   Durante as escolhas entre as possibilidades que se abrem, a liberdade se revela como razão que é a faculdade de fazer aparecer o significado. O significado é o que emerge da obscuridade das coisas e torna objetiva a realidade para o sujeito em sua subjetividade. Os fenomenólogos negam, entretanto, que o  significado seja atribuído pelo sujeito de forma arbitrária. Ele revelaria, sim, a ligação da subjetividade do sujeito com a objetividade do mundo, ou seja, com a teia de outros sujeitos, coisas e leis necessárias que nos envolvem. Daí porque o ser-livre-racional não toma a liberdade como uma capacidade de fazer o que bem entende, sem importar-se com as consequências. O que se tem em vista é o que faz ser possível qualquer escolha entre isto ou aquilo, quer dizer, a possibilidade  da manifestação do juízo objetivo do homem como sujeito.

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