domingo, 16 de dezembro de 2012

Introdução do livro "Antropologia Filosófica (Vol. I) ", de Henfique Cláudio de Lima Vaz (resumo).           A interrogação  que o homem faz a respeito de sua própria existência vem ultrapassando eras, manifestando-se nas mais diversas formas de expressão. Mitologia, filosofia, literatura, ciência, ethos e política têm contribuído para a formação de uma espécie de imagem caleidóscópica que construímos de nós mesmos.  Na Filosofia, as discussões sobre o homem atingiram um maior grau de abrangência e profundidade durante o século XVIII, com  Immanuel Kant, auge dos debates que se tornaram uma constante a partir do século V a. C., graças aos sofistas, que inauguraram a temática entre os filósofos . As questões levantadas por Kant giravam em torno do agir, do saber, do estar do homem no  mundo e de sua vivência místico-religiosa, fazendo avançar a teoria do conhecimento (o que posso saber?), a teoria do agir ético ( o que devo fazer?), a filosofia da religião (o que me é permitido esperar) e a Antropologia Filosófica (o que é o homem?).
          No final do século XVIII, a Antropologia Filosófica viu-se como que em uma encruzilhada devido às diversas abordagens das ciências que tomaram o homem como objeto de estudo. Os novos saberes gerados pela biologia, pela história e pelo estudo das culturas provocaram uma crise metodológica,  pois cada uma das ciências passou a apresentar a temática de modo próprio, multifacetando as definições do homem com abordagens muitas vezes inconcíliáveis entre si. Outra crise ocorre na vertente histórica devido à justaposição no tempo das imagens do homem clássico, cristão e moderno. Os dilemas que se impuseram à Filosofia, fizeram com que esta buscasse soluções que se dividiram entre uma perspectiva naturalista, cujo horizonte de definição do humano se restringia quase que apenas à natureza material; e a perspectiva culturalista, que põe em contraste o fenômeno humano e as manifestações da natureza, privilegiando a cultura como fonte de conhecimento do homem.
          Para o filósofo brasileiro, Henfique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), diante desse quadro, cabem à Antropologia Filosófica três tarefas fundamentais, quais sejam: formular uma definição de homem capaz de abranger tanto os aspectos abordados ao longo dos séculos pela Filosofia quanto as descobertas mais recentes das pelas ciências do homem; fundamentar o discurso da unidade dessa pluralidade, ou seja, fazer a justificação crítica da ideia  de homem; e, por último, empreender a construção de um sistema filosófico que ponha em questão a pergunta essencial:  "quem é o homem?". Lima Vaz nos apresenta as dificuldades para o desempenho de tais tarefas. A primeira delas é a falta de delimitação precisa das áreas de cada ciência, o que exige uma abordagem interdisciplinar com o objetivo de detectar e conciliar possíveis divergências. O filósofo chama a atenção para a tendência da aplicação de procedimentos empírico-formais - como os utilizados pela Biologia e pela Antropologia Física - no campo das ciências cujo objeto é hermenêutico, como as ciências da linguagem, as ciências econômicas e as ciências sociais. Tais procedimentos podem tornar o estudo duvidoso, uma vez que, nas ciências hermenêuticas, um fato nunca pode ser considerado neutro pois traz em si a sua própria interpretação, diferentemente do que ocorre com fatos biológicos, por exemplo, essencialmente determinados pela natureza, independentes do pensamento humano.
          Uma análise dos conhecimentos que o homem acumulou sobre si mesmo ao longo dos anos torna possível dividi-los em três pólos, conforme o aspecto que  acentuam: a) o pólo das formas simbólicas; b) o pólo do sujeito; c) o pólo da natureza. A maior influência de um desses pólos sobre a construção da visão do homem em uma unidade determina abordagens reducionistas na Antropologia Filosófica. Assim, a predominância do pólo das formas simbólicas, cuja maior preocupação são os problemas da cultura, dá origem ao culturalismo; o destaque acentuado ao pólo do sujeito, que tem como horizonte as ciências do indivíduo e do seu agir individual, social de histórico, sustenta o idealismo; a ênfase no pólo da natureza,  que trata das ciências naturais do homem, dá origem ao naturalismo. Os métodos científicos acabaram por sofrer influência desses reducionismos, o que tornou possível a elaboração de filosofias do homem derivadas de teorias científicas, como a teoria da evolução. Há também os  métodos que enfatizaram  o pólo do sujeito, tomando este como ser histórico (método dialético) ou como ser de intencionalidade que deve ser desvendado em suas estruturas e situações fundamentais (fenomenologia); os métodos que buscam nos símbolos criados pelo homem a explicação para a natureza humana são os de tipo culturalista.       
         Uma reflexão sobre o texto.        
        As páginas introdutórias do livro "Antropologia Filosófica (Volume I)", de Henrique Cláudio de Lima Vaz, nos revelam a complexidade da tarefa de se estabelecer uma visão unitária do homem em uma era de estonteante evolução científica. Os conhecimentos que já obtivemos a respeito de nós mesmos são tão diversificados que, por vezes, podem parecer inconciliáveis uns com os outros. Mas se, por um lado, não podemos abrir mão da ciência com métodos objetivos e racionais para decalcar aspectos próprios da realidade humana, por outro, é necessário o desenvolvimento de uma compreensão filosófica que considere o todo do homem algo mais que a soma dos conhecimentos sobre ele. Caso contrário, corremos o sério risco de obter uma imagem apenas parcial e aparente, uma colagem de retalhos que se encaixam forçadamente sem nos revelar a essência do ser humano, imagem que seria comparável à que já nos foi mostrada de forma metafórica pela literatura e pelo cinema com o personagem Frankenstein. Compete à Antropologia Filosófica a busca de uma visão holística do homem, lançando-se num esforço conciliatório que correlacione as descobertas dos 3 pólos de compreensão do humano. Assim, nos manteria prevenidos contra os chamados reducionismos que têm explicações simplificadoras por privilegiarem um dos três pólos.
          Chama a atenção no texto de Lima Vaz a constatação feita por ele da tendência de se utilizar métodos empírico-formais em áreas de conteúdo hermenêutico. Ora, um posicionamento como este pressupõe uma dinâmica determinista, mecânica, em áreas plasmadas pelo  humano que, por isso, nunca podem ser consideradas neutras, apartadas de significados relativos às culturas ou à história. O risco que se corre é o de dar justificação científica a teorias que já nascem embebidas em visões parciais, que consideram como naturais e universalmente humanos características ou modos de estar no mundo próprios apenas de alguns grupos. Os equívocos que têm sido cometidos ao longo dos últimos séculos e que tiveram como base uma pretensa neutralidade da ciência não são poucos. Basta citar o caso da ciência que ficou conhecida como Frenolofia, que se julgava capaz de determinar o caráter, a personalidade e o grau de criminalidade pela forma da cabeça. O método desta ciência foi desenvolvido no século XIX pelo médico alemão Franz Gall e foi usado para justificar ideologicamente o imperialismo europeu que se expandiu na África e pode ser considerado um primeiro germe da teoria nazista.
          A disseminação de uma visão ampla do que é o homem pode nos fazer vislumbrar valores que estão ocultos ou atrofiados dentro de nós e nos desviar de ilusões construídas a nosso respeito com objetivos meramente econômicos e de poder. Pode criar em todos uma exigência consciente de democratização dos  bens que nos ajudam na realização como seres humanos, nos aproximam da plenitude existencial, bens como a cultura, a natureza, a moradia adequada hoje restritos a poucos.  Nesta época de enorme fluxo de informações, com tecnologias capazes de integrar o planeta, a Antropologia Filosófica deve contribuir na busca da essência comum entre os diversos povos e culturas. Uma essência que, quanto mais nos for revelada, mais espaço pode deixar aberto para o relacionamento com o outro que, sendo diferente apesar de semelhante, me faz refletir e conhecer mais sobre mim mesmo, condição de um verdadeiro continuum civilizatório humano. É no reconhecimento mútuo entre os povos que podem surgir bases para regras justas de convivência cada vez mais necessárias na medida em que as tecnologias nos aproximam e nos fazem dar conta de que, não importa nossa cultura ou posição no mapa, dividimos com os mais "diversos semelhantes" a mesma casa que é o planeta terra.

Nenhum comentário:

Postar um comentário